FELIZMENTE A MAIORIA DAS
ENTIDADES NÃO É ASSIM

(Publicado em 15/09/2007)



No filme "A Conspiração" (The Contender) o vice-presidente dos EUA morre e o presidente (Jeff Bridges) escolhe uma mulher para ocupar a vaga: a senadora Laine Hanson (Joan Allen). Porém, os que se opõem à sua indicação vão à procura de algo que possa sujar sua reputação, para que a nomeação não seja confirmada. O congressista Shelly Runyon (Gary Oldman) desenterra antigas informações sobre a vida pessoal de Hanson, criando um escândalo que pode enterrar de uma vez por todas a carreira política da senadora. Aparecem fotos mostrando que a senadora teria participado de uma orgia nos tempos da faculdade, colocando sua moral em questão. Ela se recusa a comentar o assunto, alegando que isto é um assunto pessoal e que não deve ser objeto de discussões políticas. Porém, a recusa em se pronunciar a respeito das fotografias acaba agravando a situação da senadora e até seus próprios correligionários abandonam o barco.

Mesmo assim ela recebe o apoio do presidente e acaba vencendo a batalha. Não sem muitos constrangimentos e perdas.

Na última cena revela-se que a mulher que aparece nas fotografias não é a senadora e que nem poderia ser. E que a senadora, caso tivesse se pronunciado, teria dado fim ao escândalo logo no primeiro dia.

O presidente, então, pergunta à senadora por que ela não falou a respeito e evitou todo o constrangimento e risco pelo qual passou. A resposta (infelizmente, passou despercebida em praticamente todas as críticas, das que eu li, sobre o filme): "é um princípio meu que as questões pessoais não devem ser objetos de discussão política. Responder a essa acusação seria abrir mão desse meu princípio. E um princípio não é válido se é usado apenas em benefício próprio ou para evitar problemas"

A lição da personagem é clara: se um PRINCÍPIO é um ditame moral, uma regra pessoal, uma lei caráter individual que serve de base para o comportamento do indivíduo (geralmente, conseqüência do conjunto das suas crenças) sua aplicação não é passível de discussão ou avaliação circunstancial. Um princípio deve ser aplicado nos momentos bons e nos momentos ruins. Deve ser utilizado ainda que sua aplicação nos cause algum constrangimento ou prejuizo.

Pois bem. Nesta semana passei pela prova dos princípios: uma entidade de classe de uma grande cidade (do interior de um grande estado) estava negociando comigo a realização de um curso. Conversa vai e vem, emails pra lá e pra cá, recebo da secretária da entidade a determinação, vinda diretamente do presidente: o curso poderia ser realizado, mas eu deveria fornecer uma nota fiscal com um valor três vezes maior do que o real. Segundo eles, para poder fazer a prestação de contas para o CREA (aparentemente, um dos financiadores do curso).

Argumentei que eu não poderia fazer isso e apresentei os motivos:

a) disse que o valor solicitado para a nota fiscal era exageradamente alto;

b) informei que os meus preços e condições de contratação são iguais para todo o Brasil e estão disponíveis para consulta de qualquer entidade de classe que faça uma visita ao meu site. Logo, uma nota neste valor acabaria sendo detectado por qualquer auditoria, por mais simples que fosse;

c) Recomendei que a entidade não utilizasse esse artifício pois isso acabaria sendo detectado, produzindo problemas para a entidade, para o seu presidente e para o presidente da instituição financiadora

d) Disse que, considerando que eu ensino nos meus cursos que os profissionais devem optar pela legalidade e transparência (inclusive pagando todos os seus impostos) não ficaria bem aceitar esse tipo de negociação pois seria uma coisa por demais hipócrita;

Fiz uma contra-proposta, para facilitar a negociação para a entidade e aguardei a resposta, que não tardou (mostrando que ela foi tomada com base nos princípios do seu presidente): NEGATIVO! Se o palestrante não pode dar nota no valor solicitado então nada feito. Fim de negociação!

Lastimável! Deplorável! Inadmissível!
Meu trabalho pode ser rejeitado por ser ruim, insuficiente ou inadequado. Mas não aceito que uma entidade de classe, cuja função é representar profissionais de Engenharia, de Arquitetura e de Agronomia utilize como critério para contratação de cursos e palestras a disposição e vontade do palestrante para participar de ilegalidades e ilicitudes.
Isso é o fim da picada!

Felizmente (e é importante fazer aqui esse registro), esse é um fato isolado. A maioria das entidades de classe é dirigida por profissionais honestos e que não propõe aos seus potenciais fornecedores e parceiros práticas ilegais e imorais (e muito menos condicionam negociações a esse tipo de coisa).

Minhas fontes de renda são meus livros e meus cursos e palestras. Vivo disso e, como qualquer empreendedor, não gosto de perder negócios ou oportunidades.

Mas existem negócios que a gente perde com orgulho. Uma vez, nos meus tempos de estudante, ouvi uma frase que me marcou profundamente e que eu utilizo como guia em muitos momentos: “uns estão com uns e outros estão com outros”. O exercício da Engenharia exige o senso da sustentabilidade, que inclui não fazer negócios que prejudicam o futuro da propria engenharia. Fechar negócios não é tudo.
Espero que essa entidade mude de presidente logo. Para o bem da Engenharia.





PADILHA, Ênio. 2007





Comentário #1 — 08/05/2009 14:01

solimar de castro bastos — engenheiro civil — itapagipe mg

bom pelo menos neste seu artigo mostra a dor que passamos diariamente recebendo as mesmas propostas e pior quando vem acompanhadas por um oficial de justiça para aceitarmos o contrato, pois creio que conhece os termos do mercado, lamentamos quem sabe agora não passa a vender suas palestras pela internet assim nos mesmo iremos decidir pagar diretamente pois em meu comentario anterior que foi censurado eu já expus o que sofremos com tais entidades de classe...sucesso colega seus artigos nos animam a buscar sempre uma engenharia mais justa...engenhero bastos crea mg 35.417/d

Comentário #2 — 09/05/2009 07:10

CARLOS AUGUSTO DIAS VIEIRA — Engenheiro Civil — SÃO LUIS

É lastimável mas esta é a prática. O principio geral é a não ética. Estes são os nossos "líderes" que dirigem as entidades que compõe o Sistema, o que podemos esperar?
A sua atitude foi corretíssima...aparentemente houve a perda de um negócio mais seguramente houve o fortalecimento da ética.
Parabéns

Comentário #3 — 09/05/2009 10:08

Ênio Padilha — Engenheiro — Balneário Camboriú-SC

Amigo Carlos Augusto.
Agradeço seu apoio. Gostaria apenas de repetir o que já disse no artigo: considero esse episódio (lamentável episódio) um fato isolado. Não representa o comportamento geral dos dirigentes de entidades com as quais eu costumo negociar.
Recebo cerca de cinco ou seis consultas e pedidos de propostas por semana. Muitas dessas negociações não chegam à realização do curso ou palestra. Mas os motivos são sempre plausíveis e aceitáveis.
De uma maneira geral, os dirigentes são, como eu já disse, honestos e bem-intencionados. Mais uma razão para repudiarmos atitudes como essa descrita no artigo, não é?

Comentário #4 — 09/05/2009 12:10

José Luiz Costa — Engenheiro Civil — Luanda-Angola

Lamentável que ainda, encontramos situações como esta. Ainda que seja um caso isolado, mas marca muito, negativamente. Felizmente, colega Ênio,você "perdeu" este "negócio". Mas ganhou, e muito com a sua consciência. E como se diz aqui em Angola: "Tamos juntos".

Comentário #5 — 10/05/2009 18:40

Paulo Roberto Lima — eng. civil — Ji-Paraná / RO

Caros colegas, é lamentável receber uma notícia como esta, vindo de dentro do nosso sistema. Sei que não é a rotina de nossos dirigentes (como fez questão de frisar nosso escritor Ênio) uma atitude dessas, mas é importante seja repugnada e condenada a mais ínfima que seja, para que possamos ter transparência e respeito a começar entre nós, colegas de profissão, e depois da sociedade!

Comentário #6 — 10/05/2009 20:31

Sebastião L. Nau — Engenheiro/Professor — Jaraguá do Sul - SC

Caro Ênio,
Para quem tem princípios, que é o seu caso, o episódio foi apenas chateação e perda de tempo. Princípios não são circunstanciais. Às vezes alguns não entendem porque agimos de determinada maneira, mas posso lhe garantir que a melhor coisa do mundo é poder repousar a cabeça no travesseiro e dormir o sono dos justos.
Quando viajo pela empresa e peço a nota fiscal após o almoço ou jantar, quase sempre ouço a pergunta: "A nota é no valor?" Respondo simplesmente: "sim, por favor!". Procuro outro restaurante na próxima vez.
Um grande abraço!

Comentário #7 — 10/05/2009 20:33

Sebastião L. Nau — Engenheiro/Professor — Jaraguá do Sul - SC

Ênio, sempre que eu envio, retorna a mensagem com uma pergunta diferente. É para ser assim mesmo?
Sebastião

Comentário #8 — 10/05/2009 20:36

Ênio Padilha — Engenheiro — Balneário Camboriú-SC

Sebastião.
Sim. A pergunta é sempre diferente (apenas para evitar que os "mecanismos" automáticos dos hackers possam agir.)

Comentário #9 — 11/05/2009 03:17

Leeonardo Ribeiro Panconi — Arquiteto — São Paulo

Ênio, o presidente daquela entidade é ligado a algum partido PolíTico? È tanta safadeza e ganancia que chega ser...,lamentável...pena, por principios, não se poder dar nome aos bois

Comentário #10 — 11/05/2009 12:02

JOSÉ R. MORITZ PICCOLI — Engenheiro Civil e de Segurança — Balneário Camboriú / SC

Jesus Cristo afirmou; "Atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado". Nem por isso acho válido o critério adotado, mas um instante senhores, com base apenas no depoimento de um único lado nada pode ser julgado (a que se respeitar o contraditório) muito embora, se houver, ele, com certeza, pode explicar, mas jamais justificar.
Senhores. Toda a arrecadação com o retorno das ARTs, para as entidades de classe não pode ser aplicado em obras e ampliações de sedes, ou mesmo de sua melhoria, por isso, algumas entidades usam este artifício, que coloca sua escrita na forma da lei e a margem da descência e da ética profissional. Urge então que todas as entidades (inclusive as nacionais) se mobilizem para que a arrecadação com os retornos das ARTs possa ser gasta onde se fizer necessária, com prestação obrigatória de contas até para serem examinadas pelo TCU. em síntese, sou contra. Este espediente explica, mas não justifica.
Um grande abraço!

Comentário #11 — 11/05/2009 12:23

Ênio Padilha — Engenheiro — Balneário Camboriú-SC

Amigo Piccoli

Poderia até ser uma ilegalidade sem ser ilicitude (ou seja: não está de acordo com a lei, mas não é imoral nem produz danos a terceiros).
Se fosse essa a condição proposta pela entidade talvez eu não concordasse, mas certamente não iria criticar, pois não identificaria má-fé na atitude.

A questão é que neste caso, específicamente, a situação não foi colocada nesses termos. Ninguém me apresentou uma causa justa para a eventual transgressão à legalidade. Portanto, pareceu-me, simplesmente, uma maracutaia...

Comentário #12 — 11/05/2009 15:24

Elney Cynthia — Arquiteta — Maceió

Olá Ênio, vc foi vítima de uma imoralidade que acontece a todo instante na área publica. É uma pena ver essas práticas acontecerem no nosso sistema Confea/Creas/Mutua. Nós profissionais também sofremos esses tipos de assédio durante o exercício das nossas profissões. A solução para esses impasses é repelir e mostrar a outra face da moeda. Parabéns.

Comentário #13 — 11/05/2009 17:27

Marcos Vallim — Professor e engenheiro eletricista — Cornélio Procópio

Caro amigo Enio, nessas horas onde temos que confrontar nossa firmeza de princípios contra a realidade corrente, eu gosto de lembrar do conselho do apóstolo Paulo: "Todas as coisas me são possiveis, mas nem todas as coisas me convém". Existe esperança para um mundo melhor, na medida que exitem pessoas como voce que praticam a firmeza dos seus princípios.

Comentário #14 — 12/05/2009 10:03

Vicente Menta Filho — Engenheiro Químico — São Paulo

Caro Enio,

Nem há muito a comentar sobre esse caso, mas eu acho que transparência total, exige às vezes que sejamos, talvez indiscretos, mas que saibamos quem é quem, para denunciar e para que o safado,no mínimo, tenha algum receio, na próxima vez que quiser agir de forma errada.
Resumindo : qual foi a entidade e qual o nome do presidente ? É preciso que todos saibam.

Comentário #15 — 12/05/2009 10:48

Ênio Padilha — Engenheiro — Balneário Camboriú-SC

Colega Vicente
Suponha que eu tivesse colocado, no meu artigo, o nome do profissional e da entidade.
Quais teriam sido, na sua opinião, os desdobramentos?
O profissional seria chamado à comissão de ética?
Haveria uma punição exemplar?
Ele seria deposto do seu cargo de presidente?

Acho que não!

Provavelmente aconteceria o seguinte:
1) os seus adversários políticos locais se aproveitariam do fato para atacá-lo e enfraquecê-lo;
2) Isso geraria dissenções locais, brigas, ataques, discursos, correntes de e-mails, difamação...
3) muita gente, da cidade e região (para não se incomodar) ficaria assistindo a coisa toda, de camarote, sem se envolver... apenas torcendo, como faziam os romanos no Coliseu.
4) Ele, para marcar posição de defesa, entraria com um processo na justiça contra mim, por calúnia e difamação;
5) o processo se arrastaria por cinco ou seis anos, rendendo dinheiro para os advogados de ambas as partes...
6) e no fim, supondo (como é provável) que eu ganhasse a causa, ele talvez fosse condenado a pagar meia dúzia de cestas básicas...

Que tal?

Na verdade, Vicente. A minha intenção não é essa.
Não quero apontar o dedo para UMA pessoa em particular e sim para um tipo de procedimento que, repito, não é padrão, não é usual, mas, infelizmente, acontece.

O que me aborreceu foi o fato de que a prática da ilegalidade tenha sido utilizada como CRITÉRIO para a contratação (se der nota com valor maior está contratado, senão, nada feito!).

Entendo que existem outros critérios mais importantes, como a utilidade do curso, o interesse dos profissionais da região, os custos, as condições de contratação, a reputação do palestrante, a avaliação do curso em outras cidades e outros fatores que a entidade pode estabelecer.

Quero apenas provocar essa reflexão, em nome da sustentabilidade das nossas profissões.

Se esse meu artigo chamar a atenção de outros presidentes de entidades para a importância de medir as suas atitudes quando se está à frente de uma entidade de classe eu já me dou por vencedor dessa batalha.

E vamos pra outra!

Comentário #16 — 15/05/2009 21:03

Darlan Lemos da Cunha — Engº Civil — Florianópolis

Prezado EngºEnio Padilha
Li seu artigo e não me surpreendo com o pedido e nem com sua decisão, pois conhecemos bem o que acontece no mercado e acompanho sua conduta profissional.O que eu sugiro, é que seja divulgado a Entidade e o seu "digníssimo" presidente, haja vista que todas as tratativas foram formalizadas via e-mail conforme o senhor menciona. seria um enorme serviço a nossa classe.

Grato,

Darlan


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