OS DESABAMENTOS E O MARKETING DA ENGENHARIA E ARQUITETURA

(Publicado em 04/09/2020)



Eu quis escrever sobre isto há dez dias, quando ocorreu o desastre. Mas percebi que o fato estava sendo tratado com excessivo sensacionalismo por muita gente. Não quis entrar na fila. Minha intenção é fazer uma abordagem mais serena e, para isto, começo pela transcrição da entrevista que a proprietária do edifício concedeu à imprensa no dia seguinte ao desabamento:





Imagem: hugogloss.uol.com.br



O fato: um sobrado (2 pavimentos + térreo + cobertura) localizado em Mauá, na Grande São Paulo, desabou, atingindo duas residências vizinhas, na tarde do sábado (22/08/2020). Ninguém ficou ferido, mas os prejuízos materiais foram imensos.

Existem muitos vídeos do desabamento na internet. O vídeo do qual eu retirei a transcrição que vai abaixo pode ser visto AQUI e o reporter da TV Record que fez a entrevista é Leandro Stoliar.



Repórter: O sobrado começou a ser construído em Mauá, na grande São Paulo, há 10 anos, e estava quase pronto. O casal, dono do imóvel, assumiu que a construção era irregular. (dirigindo-se à proprietária, Sra. Luana Souza)
– Quem era o responsável pela construção?
Proprietária: A gente mesmo.
– Vocês são engenheiros?
– Não.
– Arquitetos? Alguma coisa ligada a construção?
– Não.
– Tinha alvará para construir?
– Não.
– Não era perigoso?
– Não. ((neste ponto o vídeo repete a cena do prédio desabando!))
– Não tinha medo de construir uma casa sem o acompanhamento de um engenheiro, sem um alvará, sem autorização do Crea...?
– Olha aqui, onde que a gente está. Você acha que alguma casa tem alvará? Você acha que alguma casa tem engenheiro? Você acha que alguma casa aqui tem alguma coisa desse tipo?



Esse diálogo, em vez de provocar revolta e críticas como as que eu li e ouvi, deveria ser o ponto de partida para uma reflexão importante. Afinal, o que essa moça disse de novidade? O que há de novo no caso em si? Nem o desabamento é um fato inesperado, nessas circunstâncias.

Por que, então, esse tipo de convicção (da proprietária) se perpetua e esse tipo de situação se repete sempre?

Um conceito importante: Marketing Institucional (ou, mais exatamente, a falta dele)

Eu explico. O marketing institucional, em uma empresa, não é voltado para a promoção de um produto ou de uma marca. Ele se ocupa da identidade da organização, no nível mais elevado. É o marketing do espírito da coisa.

No caso da Engenharia e da Arquitetura, trata-se de impactar a percepção das pessoas em geral (não apenas dos potenciais clientes) sobre o valor, as vantagens e benefícios da contratação dos serviços de Engenharia ou de Arquitetura. Não se trata do seu escritório. Não se trata de produtos do seu escritório.

Isto significa, basicamente, o seguinte: mais de metade de tudo o que um engenheiro ou arquiteto fizer, em termos de marketing, deve ser institucional. Ou seja, com o objetivo de construir (na cabeça dos cliente) uma imagem positiva da Engenharia ou da Arquitetura (e não apenas da sua empresa ou do seu produto).

O profissional precisa ter claro para si que o mercado não sabe comprar serviços de Engenharia e Arquitetura. Portanto, precisa aprender. E não há melhores professores disponíveis do que os próprios profissionais fornecedores desses serviços.

Temos de incorporar esse conceito como sendo essencial. Qualquer atividade de marketing precisa ter uma dose (50% pelo menos, repito) de institucional. É preciso ensinar ao mercado que a única maneira inteligente de comprar Engenharia e Arquitetura e fazer a análise da relação Custo x Benefício. É preciso destacar a importância, a utilidade e a necessidade da Arquitetura e da Engenharia, antes mesmo de tentar convencer o cliente a contratar um determinado profissional em particular.

Essa senhora, proprietária do prédio que desabou, ignora completamente qualquer benefício ou vantagem de contratar um profissional qualificado e habilitado. Isso, mesmo depois de ter perdido o seu patrimônio construído em muitos anos de sacrifício.

Ela não é uma delinquente, uma contraventora, uma fora da lei. Ela é apenas ignorante, no sentido mais sereno e correto da palavra: uma pessoa que ignora (desconhece) alguma coisa.

Existe a LEI Nº 11.888/2008 de Assistência Técnica Gratuita, que, evidentemente, não se aplicaria a uma obra deste porte, mas que deveria ser melhor explorada pelas instituições que lidam com engenheiros e arquitetos no Brasil (entidades de classe, CAU, Crea, Universidades...)

O Marketing Institucional precisa ser adotado por todos os profissionais e escritórios de Engenharia e de Arquitetura. Mas, quando o assunto são as Entidades de Classe, o Crea, o CAU e o Confea, aí o tema deve estar no topo das prioridades. Não há futuro para as nossas profissões se não nos dermos conta disso.





PADILHA, Ênio. 2020





Leia também: NO FIM, A CULPA É DO ENGENHEIRO!
Pedreiros, carpinteiros, armadores, encanadores, eletricistas, carregadores, ninguém, absolutamente ninguém, além do engenheiro tem responsabilidade sobre o que acontece numa obra. É tudo responsabilidade do Engenheiro. É tudo Culpa do Engenheiro!






Comentário #1 — 03/09/2020 21:50

Mônica S. C. Schneider — Administradora — Bom Princípio-RS

Excelente artigo Professor Ênio!
Uma comunicação efetiva é a chave para que Profissionais e Organizações conscientizem as pessoas da importância do seu trabalho.

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Obrigado, Mônica. Volte sempre

Comentário #2 — 04/09/2020 10:52

Otávio Henrique Neves Pinto — Engenheiro civil — Cássia

Certo.
Concordo tudo com a sua opinião.
Também tem mais um problema:
Você pode ver que ninguém sente obrigado procurar médico, contador, advogados, etc. Porque não existe lei que obriga isso.
Na profissão de Engenharia/Arquitetura, existe lei que obriga pessoas procurarem nossa profissão e pessoas se sentem obrigadas, isso se torna desestimulante. Aí que está o problema.
Na minha opinião, não deveriam criar leis para pessoas não verem uma obrigação, mas para uma qualidade, benefícios e vantagens.

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Certíssimo, Otávio.
Menos leis e mais estratégia (inclusive estratégias de marketing). Essa é a solução para a Engenharia

Comentário #3 — 04/09/2020 13:37

COMENTÁRIOS NO FACEBOOK — 04/09/2020 —







Comentário #4 — 05/09/2020 00:32

Farlley — Músico — Brasília-DF

Por que o CAU, o CREA, o CONFEA não destinam parte de suas arrecadações, com as anuidades de seus associados, para fazer campanhas em rádios, TVs, cartazes em ônibus ou nos pontos de ônibus, metrô? Sem educar (sensibilizar a população) para que se compreenda a importância da engenharia e arquitetura, a ignorância (no sentido strictu do termo) vai perdurar. Não adianta o blá blá blá de conscientização numa roda em que os falantes e ouvintes sejam os próprios engenheiros ou arquitetos (é chover no molhado). Campanhas junto à população por um tempo duradouro!

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Farlley, em 2013, neste post AQUI já tratava disso. Dá uma olhada.

Comentário #5 — 08/09/2020 22:59

JOSE CLAUDIO DECICO JUNIOR — Engenheiro Civil — Jundiaí-SP

É um absurdo que acontece isso no Brasil. É a cultura do "eu sei mais", do "eu tenho experiência" e do "engenheiro para quê? Só para olhar?". Ora, os honorários técnicos de projeto são em torno de 8% a 10% do total da obra e para acompanhamento, planejamento, administração e fiscalização da obra são de 10% a 15%. No total, o engenheiro, ou arquiteto, custam em torno de 20% do total da obra. Dispensar o profissional é uma economia descabida, além de ser crime de exercício ilegal da profissão que o proprietário pode responder. Em 25 anos de profissão cansei de ver absurdos nessas comunidades de "pobres" (com que dinheiro uma desempregada consegue construir esse palacete irregular dado que prefeitura alguma aprova projeto e concede alvará de construção para CASA de três pavimentos?). A serviço da Defesa Civil de Jundiaí, em vistoria numa comunidade em 2006, vi uma edificação de três pavimentos no alto de um morro, cujas fundações eram latas de tinta de dezoito litros cheias de concreto, sem sapata, sem estaca e sem juízo! É a teoria que formulei, do elefante pendurado na teia de aranha. Pode parecer estranho, mas se o módulo de elasticidade do aço (E) é de 2.100.000 kgf/cm2, a teia de aranha possui um "E" 100 vezes maior. Então, pendura um elefante na teia de aranha, se a teia não arrebentar, põe mais um elefante e se não arrebentar, põe mais um e assim sucessivamente. Bem, a teia de aranha funciona muito bem para o propósito da aranha, que é o de apanhar pequenos insetos. Mas não vai apanhar elefante. É isso. É o que esse povo faz e vai subindo laje até que tudo vai abaixo. Por que não constrói casa de pau a pique, conheço algumas que são bicentenárias? Por que "pobre" não quer. "Pobre" tem mania de sobrado, quer ostentar nem que leve dez anos para bater laje e a cada laje joga mais água no concreto fresco para render mais, afinal, é tudo batido na mão mesmo. Francamente, não tenho dó. Sorte que ninguém morreu. A ruptura foi brusca, pilares esbeltos (esforços de segunda ordem, estado limite de utilização que levou ao estado limite último), concreto com resistência inferior às especificações de trabalho estrutural e aço suficiente para concreto mais resistente, resultando em estado limite último com ruptura brusca, é o tal do "domínio 4" da NBR 6118.

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