O GRANDE DILEMA DA INTERNET

(Publicado em 15/09/2020)



Em 2014 (Há mais de seis anos!) eu escrevi o artigo O FACEBOOK FAZ MUITO BEM O MAL QUE NOS FAZ sobre como as pessoas (especialmente os produtores de conteúdo) estavam perdendo a guerra da internet e se entregando de corpo e alma aos caprichos de Mark Zuckerberg e sua fazenda de criação de tolos.

Depois disso já tivemos o Brexit, a eleição do Trump, a eleição do Bolsonaro e a ascensão vertiginosa da extrema direita no mundo inteiro. As redes sociais escalaram e a ameaça de guerras civis já está no horizonte.

Por isso o documentário O Dilema das Redes (The Social Dilemma), de Jeff Orlowski, é tão importante.





ator Skyler Gisondo em cena de O Dilema das Redes (2020)



Se você achou exagerado o uso do termo "guerra civil" no segundo parágrafo deste texto é porque você ainda não percebeu a gravidade do que está em curso. Vários livros e documentários têm se esforçado em mostrar (e demonstrar) o esforço desses bilionários donos das principais redes sociais do mundo (Google, Facebook, Twitter, Instagram, Pinterest, YouTube, Whatsapp, Telegram e outras) em manter os "usuários" presos às suas grades e fazendo o que eles querem que seja feito. O termo usuário, aliás, é objeto de uma citação no filme. É a frase do professor da Universidade de Yale Edward Tufte: "Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software.".

O documentário, construído sobre depoimentos de grandes nomes do vale do Silício, como Tristan Harris, ex-designer ético do Google; Tim Kendal, ex-presidente do Pinterest; Justin Rosenstein, ex-engenheiro do Facebook; Roger McNamee, investidor em tecnologia, e Jaron Lanier, cientista da computação e autor de "Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais".

No mundo da informação ou entretenimento, toda vez que você vê alguma coisa grátis é porque o produto é você.
Esta frase é do professor da Universidade do Texas, Rosental Calmon Alvez, em 2012, na 62ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa, no debate em que foi discutido o modelo de negócio adotado por muitos jornais pelo mundo inteiro. Não poderia ser mais apropriada para descrever o que todos nós "usuários" somos para as redes sociais: o produto. Nós temos sido vendidos para quem pagar mais pelo nosso comportamento. Estamos sendo leiloados no mercado futuro do comportamento humano.

Se você não entendeu direito, recomendo com força que você pare o que está fazendo (agora mesmo, no horário de trabalho, se você for o seu próprio chefe) e veja O DILEMA DAS REDES. É, realmente, muito importante.





PADILHA, Ênio. 202x





Leia também: O FACEBOOK FAZ MUITO BEM O MAL QUE NOS FAZ
Por que diabos tudo precisa ser integrado ao Facebook? Que bobagem é esta? As pessoas precisam cair na real de que a internet não se limita ao Facebook. O Facebook é apenas um cercadinho que o Zuckerberg criou e no qual parece ter a firme intenção de aprisionar o maior número de pessoas que puder







Comentário #1 — 15/09/2020 11:20

Farlley — Músico — Brasília-DF

Caro Ênio, eu sou seu fã. Minha contribuição será uma espécie de “troca de lentes”, uma lente para mirar num foco mais longíquo.

Com outras lentes, eu vejo na história recente, digamos, da Idade Média pra cá, um padrão de intenção. Objetivo: dominação das massas. O google da época ou o facebook da época era a igreja católica. Quem não fosse assinante, ou usuário da crença, tinha o passaporte carimbado pro inferno. E como dizia Jean Paul Sartre “o inferno são os outros”. Digamos que os outros usuários da crença desenvolviam preconceitos sobre alguns não usuários. O chefão não era um só. Tal qual os gigantes da internet de hoje, os gigantes (poderosos) eram membros da igreja (e um líder no Vaticano, o vale do Silício medieval) além de reis, príncipes, duques, condes e barões. Vou deixar de fora dessa explanação o poder das viúvas (capítulo à parte que passa despercebido).

Sim, ao longo da história a sociedade era, foi, é, e será controlada. Pois o poder atua nas mentes. Alguém que tenha medo do inferno corre para o confessionário, alguém excluído numa rede social corre para abrir outra conta, etc., etc.

Minhas lentes não querem penalizar a indústria da internet, seus papas, reis e barões. Minhas lentes miram no horizonte longínquo da educação. Eu já fui mal educado, tenho certeza disso. Meus pais, amigos, professores, textos e alguns livros me conduziram a dias melhores sobre o bom uso da mente.

Eu não gosto de fazer conjecturas e protegê-las. Eu mesmo ataco minhas conjecturas. As que sobreviverem passarão por uma outra bateria de testes com um maquinário cujas peças se chamam Sócrates, Aristóteles, Descartes, Hume, Schopenhauer e Hegel. Se alguma conjectura resistir, talvez eu esteja diante de um fato.

Fato: uma mente sem educação é vitimada pelo poder. Há o poder religioso, há o poder da mídia, há o poder econômico, há o poder militar, há o poder político e há o poder do preconceito.

Outro fato: uma mente educada também enfrenta represálias do poder. E esse embate é antigo. Sócrates foi condenado à morte pela “democracia grega”.

A internet pode fazer estragos com as fakenews numa mente acostumada à cultura da fofoca, e faria menos estragos se a prática do ceticismo fosse o primeiro passo numa mente já educada. Todavia, a internet (apesar dos riscos) amplia movimentos que lutam pela liberdade como a “Primavera Árabe”, além de nos disponibilizar inúmeras obras literárias de domínio público dentre outras benesses.

Não vejo diferença dos padrões de intenção entre aquele poder na Idade Média e o poder midiático no mundo contemporâneo, pois é sempre um poder que se apropria de mentes pouco educadas para torná-la um produto a ser negociado. No passado (e ainda hoje) pessoas são negociadas para uma vida eterna no paraíso ou no inferno; promessas são feitas e assiste-se a uma intervenção (ou junção) da Igreja ao Estado, tal qual no mundo medieval. Na prática, pouca mudança nos padrões de intenção. As tecnologias iludem as pessoas com a noção de modernidade. Nunca fomos modernos. Digamos que a casca do tempo seja “moderna”, com diferentes layouts: motor a vapor, luz elétrica, submarinos e helicópteros, computadores, internet e redes sociais. Mas são cascas. Dentro do tempo encontramos as mentes (ainda produtos medievais). São mentes sensíveis a promessas, sensíveis à esperança, sensíveis ao futuro e disso sabem bem como manipular as lideranças religiosas, políticas, militares, econômicas e midiáticas.

O problema é a falta da educação na mente das pessoas. A educação pode proporcionar a separação do joio e do trigo, do público e do privado, do mundo imaginário e do mundo real.

O cerne da questão não é o que está fora da cabeça, mas dentro dela.

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Querido amigo. Que bela e elegante contribuição você deu para esta publicação. É por essas e outras que eu me orgulho da qualidade dos meus leitores. Que honra!

Comentário #2 — 15/09/2020 11:24

Alberto Costa — Consultor Empresarial — Florianópolis

Bom dia, Ênio! Feliz artigo... De fato, já era assim com os jornais, em que consumíamos conteúdo e, vez por outra, participávamos com nossas "cartas do leitor". O mesmo se dava com o rádio ("Zezinho oferece esta música para Chiquinha, como prova de ABC" - lembram-se?) e com a TV e suas enquetes "ao vivo".
Essa audiência, bem medida pelo onipresente IBOPE, seu destino era ser bem medida e oferecida aos anunciantes, da Coca-Cola à loja de de materiais de construção, passando, sem falta, pela propaganda eleitoral "gratuita" (sempre há quem acredite em gratuidades, claro!).

A internet só sofisticou a tecnologia e ampliou os alcances e a apurou as ferramentas de medição (que o Google Analytics dá de 1.000.000.000 a zero no IBOPE, não há a mínima dúvida).

E assim caminha a humanidade, tranquila e ingenuamente...

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Análise corretíssima, meu amigo Alberto Costa. Quando eu li o livro CHATÔ, O REI DO BRASIL (a biografia do Assis Chateaubriand, imperador da mídia brasileira, antes da era Globo) eu escrevi num artigo que aquele livro ensinava o leitor a ler jornais. Creio que este documentário do Jeff Orlowski tem o mesmo efeito. Nos ensina a lidar com as redes sociais.

Porque existe, agora, um componente muito novo (que não existia no tempo dos Diários Associados, nem na idade média, pra fazer referência ao comentário anterior, do querido Farlley Derze): imagine que os produtores do Jornal Nacional consigam saber exatamente quem muda de canal ou desliga a TV quando um determinado assunto está sendo noticiado. E que, com esta informação, o Jornal Nacional, todos os dias, passe a apresentar apenas as notícias que você gosta de ouvir ou com as quais você concorda totalmente. O problema é que o seu vizinho, que tem outras idéias e outras preferências também está assistindo ao Jornal Nacional customizado dele. E o cara da outra rua também... e cada brasileiro que assiste o Jornal Nacional está vendo um pacote de notícias ajustado às suas crenças e valores. Não tem perigo de dar certo. Mas é exatamente isto que as redes sociais estão fazendo.

Comentário #3 — 15/09/2020 13:24

COMENTÁRIOS NO FACEBOOK — 15/09/2020 —

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