BAUDELAIRE NELES!

(Publicado em 13/06/2022)



1984 foi, certamente, um dos piores anos da minha vida. Eu estava no meio da faculdade de Engenharia Elétrica (e quem já esteve no meio de uma faculdade de Engenharia Elétrica sabe do que eu estou falando) passando por extremas dificuldades financeiras e pessoais. Enfrentando uma úlcera horrorosa no estômago, que me impedia de render o meu melhor no atletismo, além de outras grandes tristezas.

Restavam-me os poetas simbolistas (Sim. Isso foi um erro!). Me apequei a Augusto dos Anjos (especialmente porque ele dizia que "Ah! Um urubu pousou na minha sorte!") mas também a Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens, Mallarmé e, claro, o príncipe do simbolismo, meu favorito: Charles Baudelaire.

Eu me identificava com eles todos. Eles me representavam. Mas Baudelaire era ponta firme, no sentido de descrever a minha existência.

As flores do Mal era o meu livro de cabeceira. Mas tinha um outro, chamado Le Spleen de Paris, também conhecido como Pequenos poemas em prosa que eu achava sensacional, principalmente porque era em prosa (minha praia).

Foi dali que veio um poema que de vez em quando eu sou obrigado a lembrar (e que está na ilustração abaixo):





A lembrança me veio nesta semana, porque tive uma longa conversa com um amigo que estava muito desanimado.

Ele teve, no passado, um blog bastante movimentado. Publicava análise econômica e financeira, com um texto criativo, responsável e muito bem fundamentado. Muita gente lia.

O Facebook acabou com a audiência do blog dele. Ele se mudou para dentro da rede social e teve uma sobrevida. Mas aí vieram novas formas de comunicação rápida e ele foi ficando cada vez mais desconfortável. Escrevendo cada vez menos. Até que abandonou de vez aquilo. Agora não escreve mais, nem no blog nem no Facebook.

De vez em quando escreve alguma coisa no Twitter, mas até lá ele já concluiu que não tem futuro. "O pessoal só quer dedo no olho e agressividade no último."

"...ou historinhas motivacionais tolinhas. Se você propõe um pensamento minimamente elaborado ou busca uma fundamentação na teoria econômica, quase dá pra ouvir os caras indo embora do texto!"

"É verdade", eu disse. "Mas não é de hoje. É da natureza humana, meu caro." E aí lembrei do trecho do poema do Baudelaire (que ainda lembro quase de cor). E lembrei a ele uma frase do Henry Ford: Pensar é o trabalho mais pesado que há, e talvez seja essa a razão para tão poucos se dedicarem a isso.

Ter, como ele tem, um trabalho que propõe que as pessoas pensem, exige uma certa dose de resiliência.

Então, se você, como este meu amigo, está desanimado com os resultados dos seus esforços para que seus leitores ou seguidores tenham um comportamento mais sofisticado ou inteligente, eu só posso dizer três coisas:

(1) Não desanime nem se culpe. O problema pode ser apenas uma característica da natureza humana e que vem (no mínimo) desde o século XIX;

(2) Tente fazer ajustes e adaptações possíveis, porém, sem agredir a sua essência. Não tente produzir "sujeiras cuidadosamente escolhidas" apenas para agradar a um público que você nem respeita tanto assim;

(3) Continue produzindo com amor ao seu trabalho e reserve os "excelentes perfumes" para quem merece.

Baudelaire neles!





PADILHA, Ênio. 2022

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