ÁGUA E VINHO

(Publicado em 15/08/2009)





Imagem: OitoNoveTrês



Existem algumas afirmações que se fazem sobre o nosso sistema profissional e todo engenheiro, arquiteto e agrônomo já ouviu tantas vezes que aceita sem discussão. Uma delas é a de que "somos o maior sistema profissional do mundo, com quase um milhão de profissionais inscritos, mais de 300 títulos profissionais de diversas modalidades e diversos níveis de formação! (assim mesmo, com um ponto de exclamação no final, dando a impressão de que se trata de uma coisa muito bacana!)

Mas afinal, onde está a parte boa nessa história?
Acredite: nem com muita boa vontade você vai encontrar uma vantagem realmente considerável nisso tudo.

O gigantismo do nosso sistema, o fato de congregar profissionais de formações tão distantes e de níveis de escolaridade dístintas são os nossos grandes problemas.

Num artigo que eu escrevi em 2004 sobre Valorização Profissional eu cito as brigas internas do nosso sistema profissional como uma das pragas do exercício profissional. Ainda acredito nisso. Mas é preciso fazer uma consideração. Elas são, senão inevitáveis, pelo menos, muito naturais.

Há pouco mais de um mês recebemos a notícia de que o MEC planeja reduzir o número de denominações de cursos de Engenharia de 234 para apenas 22.
Apenas 22?! Meu Deus! 22 ainda é um número absurdo! Imagine 234 (que já é uma redução dos mais de 1000 títulos que podiam ser contados há alguns anos).

Nosso sistema profissional foi concebido (e ampliado, posteriormente) sobre um pressuposto equivocado: o de que engenheiros, arquitetos e agrônomos são profissionais semelhantes com algumas diferenças.
A verdade é que são profissionais muito diferentes e que apresentam alguns (poucos) pontos convergentes.

Medicina, Enfermagem, Odontologia e Fisioterapia têm muito mais em comum (em termos de características dos profissionais, processo de formação, exercício profissional, público-alvo) do que Engenharia, Arquitetura e Agronomia. E ninguém nem imagina em reunir Médicos, Dentistas, Enfermeiros e Fisioterapeutas num único sistema profissional. Muito menos associar técnicos e Tecnólogos em Enfermagem, Protéticos ou Massoterapeutas a nenhum desses Conselhos.

Os processos de formação de engenheiros, arquitetos e agrônomos são muito diferentes. Por conta disso e por conta da natureza do exercício profissional de cada um deles, esses profissionais têm visões de mundo distintas. Têm estilos de vida diferentes. Têm suas próprios crenças e valores. E, por conta disso tudo, têm diferentes espectativas sobre o que um Conselho Profissional ou uma Entidade de Classe pode representar.

Entre engenheiros e arquitetos existe, é verdade, uma sobreposição e uma coincidência de atividades na área de construção. Mas a verdade é que engenheiros e arquitetos olham para a mesma obra de construção e veem coisas distintas, porque têm olhares diferentes.

A discussão sobre se cada modalidade profissional deveria ou não ter o seu próprio Conselho, neste momento eu considero secundária. Acredito até que o Sistema Confea/Crea pode sobreviver e progredir congregando esses profissionais diferentes. O que precisa é mudar o pressuposto: aceitar que as profissões são diferentes. Os profissionais que as exercem são diferentes. Têm diferentes visões do mundo e diferentes expectativas. E que o Conselho precisa dar conta disso.

O pressuposto dominante hoje é o de que o Sistema pode ter ações que atendam a todas as demandas, necessidades e expectativas simultaneamente. Isso não existe. Por isso é que tudo o que o Crea faz acaba desagradando a todos. Ninguém se sente plenamente atendido porque todas as ações são uma colcha de retalhos que precisa atender a dezenas de interesses e expectativas distintas.

Deveria haver ações que atendessem plenamente a arquitetos (mesmo que desagradasse a engenheiros e agrônomos); outras ações ou atividades que satisfizessem completamente engenheiros ou agrônomos (mesmo que arquitetos torcessem o nariz).

É claro que para isso teria de haver um pacto de generosidade entre os envolvidos.
Enquanto todos os integrantes do sistema assumirem uma posição de ferrenhos defensores dos seus próprios interesses o sistema não funcionará e nem justificará sua existência.

Como o título desse artigo sugere, Água e Vinho são diferentes, mas vão à mesa juntos.





PADILHA, Ênio. 2009





Leia também: ÁGUA E VINHO (2)
Quais são, afinal, as principais diferenças e semelhanças entre Engenheiros e Arquitetos?






Comentário #1 — 15/08/2009 05:45

Ênio Padilha — Engenheiro — Balneário Camboriú

ANEXO 1
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo (Resolução do MEC número 6, de 2/02/2006, Publicada no DOU de 03/02/2006, Seção I, pág. 36-37) não constam as palavras "matemática", "cálculo" ou "álgebra". Em outras palavras: nos cursos de arquitetura não se aprende matemática!

Engenheiros costumam ficar surpresos com isso. E, geralmente, costumam considerar isso "um absurdo!". Afinal, para um engenheiro, não se pode atuar na construção (seja do que for) sem o domínio da matemática. E na engenharia ela está presente em profusão: cálculos 1, 2, 3 e 4; Álgebra Linear, Geometria Analítica, Geometria Descritiva, Álgebra Boleana, Cálculo Numérico... é uma festa! (sem contar as físicas e as químicas).

O arquiteto, por sua vez precisa estudar Antropologia, Sociologia, Paisagismo, Ecologia, História da Arte e da Estética, Planejamento Urbano, Desenho e outras formas de expressão/modelagem. Não é pouco!

A Agronomia constitui aqui um terceiro caso, diferente dos anteriores.
Com uma formação muito mais voltada para a biologia e para questões sociais e humanas, os estudantes de Agronomia enfrentarão matérias como Fisiologia Vejetal e Animal, Cartografia, Meteorologia, Clima, Sociologia, Zootecnia, Fitotecnia, Química de Solos, Química Vegetal e Tecnologia Agrícola.

Evidentemente, de três processos tão distintos não poderiam sair profissionais com perfis semelhantes. Até porque essas perspectivas atraem três tipos distintos de estudantes do ensino médio. O jovem de 16, 18 anos que se sente atraído pela Arquitetura tem, geralmente, uma personalidade diferente do jovem que deseja fazer Engenharia ou Agronomia.

Gostaria de ampliar essa discussão e deixo aqui um convite aos leitores para responder à seguinte questão: o que atrai ou motiva um jovem para cada um desses cursos?
(todas as contribuições serão muito bem-vindas)

Comentário #2 — 24/08/2009 12:37

Leonardo Breviglieri — Técnico Industrial em Mecânica — São Paulo - SP

Prezado Eng.Enio,
Sou leitor assíduo dos artigos que nos são enviados atráves do seu site e comungo com a maioria das suas opiniões e colocações a respeito do Sistema CONFEA/CREAs; como ex- Conselheiro do CREA/SP conheço um pouco do seu funcionamento e das diferênças e conflitos que existem entre profissionais das diversas áreas e níveis abrangidos pelo Sistema.
Causou-me estranheza no seu comentário a observação feita aos Técnicos e Tecnólogos.
Gostaria de saber qual a sua opinião a respeito da nossa participação obrigatória no Sistema (ver artigo 84 da Lei Federal 5194).
Nós, Técnicos e Tecnólogos estamos presos ao Sistema CONFEA/CREAs por força de Lei e como contribuintes do mesmo, temos o direito e o dever de participar do colegiado.
Estranho é que, ouvimos na sexta-feira passada (21/08) o presidente do CREA/SP proferir palestra no X CONSIG - Congresso de sindicalismo Global, provido pela FENTEC - Federação Nacional dos Técnicos Industriais, inclusive com apoio financeiro parcial do Sistema do CONFEA e do CREA/SP, propor a criação da Câmara de Técnicos em cada regional para tratar específicamente dos assuntos destes profisionais e lemos a sua observação que nos induz a concluir que o Sr. não nos julga parte do Sistema, talvez indignos por não possuirmos nível superior.

Comentário #3 — 24/08/2009 12:47

Leonardo Breviglieri — Técnico Industrial em Mecânica — São Paulo - SP

Retificando: Congresso de Sindicalismo Global e quando o Sr. se referir aos Técnicos por favor o faça iniciando a palavra com letra maiúscula, afinal nossa profissão é regulamentada pela Lei Federal 5524/85.

Comentário de Ênio Padilha
Prezado Leonardo
Eu, pessoalmente, sou (sempre fui) favorável a que os técnicos e tecnólogos tenham seus próprios Conselhos Profissionais. Nunca entendi, qual é a vantagem (para os técnicos) de serem registrados no Crea e não num conselho próprio.

Comentário #4 — 15/01/2018 02:57

william de figueirêdo bittencourt — eng agrimensor — rio branco-acre

Questão polemica, a dos tecnicos com relação ao sistema. Se contribuem, deveriam poder representar. Se a legislação é um entrave, poderia ser alterada. Inumeras pessoas reclamam do sistema; eu, tambem, acho que é ruim. No entanto, seria pior sem ele. Ele tem que ser melhorado, da água para o vinho.

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