O QUINTO MANDAMENTO

(Este artigo foi publicado em 09/09/2010)



Há duas semanas tive a honra de fazer a palestra de abertura do 16º Congresso da ABENC, realizado em Cuiabá (como evento associado da SOEAA 2010). O tema era \"A Participação dos Profissionais nas Entidades de Classe e a Participação das Entidades de Classe na Sociedade.\"
Para introduzir o assunto, apresentei \"Os Dez Mandamentos do Exercício Profissional Sustentável\", extraído do artigo que eu escrevi para ser um dos Textos Referenciais do Congresso Nacional de Profissionais (que, por sinal, aconteceu na semana passada, também em Cuiabá).
Esses \"Dez Mandamentos\" apontam para atitudes, comportamentos e ações dos profissionais no sentido de preservar e valorizar as \"marcas comerciais\" que representam as suas respectivas profissões. São, basicamente, os seguintes:

1 - Agir com Ética, seja qual for a circunstância.

2 - Investir recursos na manutenção da competência.

3 - Envolver-se nas atividades das organizações profissionais.

4 - Trocar informações profissionais com os colegas sem objetivar vantagens pessoais.

5 - Não investir energias nas brigas internas das profissões.

6 - Tratar bem os empregados e subordinados.

7 - Não explorar os fornecedores.

8 - Cumprir as promessas feitas, mesmo que não estejam escritas em orçamentos e contratos.

9 - Não praticar e nem tolerar Atitudes Profissionais Lesivas à Categoria.

10 - Progredir Profissionalmente.

Tudo muito bom, tudo muito bonito... mas... aquele Quinto Mandamento não chegou em boa hora. Percebi rapidamente que não foi bem recebido. Os narizes torceram-se. As caras fecharam-se. Não havia, defititivamente, clima para um mandamento desses.
Aquelas pessoas que estavam ali, para aquele congresso, tinham como ponto de pauta justamente mais um round da eterna briga, em duas frentes: Engenheiros Civis x Arquitetos e Engenheiros Civis x Tecnólogos e Técnicos. Com certeza, a última coisa que eles queriam ouvir do palestrante da abertura do Congresso era justamente que aquela briga era um \"pecado\" contra a sustentabilidade do sistema profissional. Ainda mais sendo justamente \"o quinto mandamento\", que, dentre os Mandamentos Divinos, é dos mais graves.

Depois da palestra fui sabatinado severamente por dois ou três colegas que discordaram veementemente do meu ponto de vista. Rolou uma discussão intensa (embora, é preciso fazer aqui o registro, tudo na mais perfeita educação e pertinência, como convém a profissionais daquele nível).

Para o leitor que não tenha sido introduzido no tema, vamos fazer um intervalo para ler os artigos que apresentam esse tal Quinto Mandamento. Ele já foi apresentado no meu site, em três artigos: ENGENHEIROS E ENGENHEIROS, NOSSAS INTERMINÁVEIS BRIGAS INTERNAS e ÁGUA E VINHO. Aguardo por aqui até o leitor retornar...

Já voltou? Leu? Ótimo. Então podemos continuar.

A questão é a seguinte: os colegas que defendem a necessidade dessas brigas argumentam que, se elas não forem feitas o \"outro lado\" toma conta e vai usufruir de direitos e benefícios que não são justos. Onde já se viu um arquiteto, sem praticamente nenhuma base de Física, Química e, principalmente, Matemática assumir tarefas típicas de engenheiros, como a condução e a responsabilidade técnica por obras de construção? Onde já se viu os Tecnólogos, com seus cursos de cinco semestres terem direitos a todas as atribuições dos engenheiros, que precisam enfrentar e vencer cinco anos inteirinhos de cursos que, geralmente, são muito difíceis? É justo isso, Padilha?

Não. Não acho que isto seja justo. Mas qualquer um que tenha participado de alguma palestra minha em que este tema é discutido deve ter percebido que eu sempre deixo muito claro que as brigas internas do nosso sistema profissionais são, antes de mais nada, LEGÍTIMAS. Ou seja: as partes têm suas razões. Não é isso que eu discuto.

A minha tese é a seguinte: as brigas internas podem ser legítimas, mas estão baseadas em um pressuposto equivocado: o de que o vencedor dessa briga ganhará algo de valor. Conquistará um tesouro. O direito ao sucesso! O pressuposto dessas brigas é que a existência e a sustentabilidade das profissões de engenheiros e arquitetos está baseada nas atribuições previstas e protegidas pela lei. E foi contra isso que eu escrevi no artigo Engenheiros e Engenheiros (que o leitor já viu há pouco, no link ali em cima)
A minha tese é a de que essas brigas são tolas, pois quem ganhar essa parada ganha um troféu de papelão. Sem valor. Sem utilidade. Sem consistência.
Estamos brigando pela posse de um osso de plástico, quando o verdadeiro churrasco está sendo servido noutro salão.

O verdadeiro banquete será servido no Salão Nobre do Mercado, que não está sujeito às nossas discussões internas sobre atribuições profissionais. Arquitetos e engenheiros, por exemplo, brigam há anos pra saber quem pode fazer o quê na construção civil. Enquanto isso, uma quantidade absurda de construções são feitas sem a participação efetiva nem de uns nem de outros. Nós sabemos bem. Nessas obras, quem constrói são os mestres de obra, os pedreiros, os carpinteiros, encanadores, eletricistas, marceneiros... sem uma orientação mínima que seja de um profissional qualificado.

Nossa luta deveria ser pelo desenvolvimento do mercado potencial. Eu calculo (me corrijam, se eu estiver errado) que engenheiros e arquitetos ocupam, na verdade, menos de 20% do mercado potencial de Engenharia e Arquitetura no Brasil. Boa parte do que fazemos é apenas aquelas coisas que estão previstas na lei e nas resoluções do Confea e dos Creas. Há uma infinidade de outros serviços que não são contratados simplesmente porque engenheiros e arquitetos não se dispõem a oferecê-los ao mercado.

Se nos uníssemos em torno de uma causa comum (o desenvolvimento e ampliação do mercado de Engenharia e de Arquitetura) todos nós perderíamos algumas coisas (atribuições daqui ou dali). Mas, no balanço final, todos sairíamos ganhando muito mais.

O problema é que isso exige visão estratégica e de longo prazo. Significa perder primeiro para ganhar depois. Significa condicionar a vitória às nossas próprias competências. E nem todo mundo está disposto a isso.

E antes que algum exagerado venha me cornetear, observe bem que eu não estou pregando a favor da desregulamentação total das nossas profissões. Entendo que a regulamentação deve ser mantida e que as atividades hoje contempladas devem continuar no nosso território.
Entendo, também, que a discussão sobre atribuições pode e deve existir. Apenas não considero que essa questão deva ser central e ocupar tanto tempo, e tantas energias.
Considero irrelevante definir quem, dentre nós, deve ocupar este ou aquele espaço. Temos é que ampliar o espaço que será ocupado por todos nós, com responsabilidade e competência.


E não estou falando por falar. Meu exemplo de exercício profissional sustenta meu discurso. Durante os doze anos em que estive à frente de um escritório de Engenharia Elétrica nunca (NUNCA!) me manifestei contra profissionais de outras formações que se aventuravam no mundo dos projetos elétricos. Sempre defendi que era melhor que uma residência tivesse um projeto elétrico feito por um engenheiro civil do que fosse construída sem um projeto elétrico. E me orgulho muito de ter desenvolvido o mercado de Engenharia Elétrica nas regiões onde atuei. Qualquer colega que tenha convivido comigo naquele tempo pode confirmar isso.

Você pode até discordar do que eu digo, mas não custa lembrar a reação dos profissionais brasileiros ao trabalho de Manoel Henrique Campos Botelho e Walter Maffei (na década de 1980) quando eles começaram a apontar o marketing como a solução dos nossos problemas naqueles anos de trevas (a Década Perdida, lembra?). Muita gente dizia que marketing era coisa de picareta, de engenheiro e arquiteto incompetente e que o negócio era investir apenas na qualidade técnica dos projetos.

O tempo mostrou que Maffei e Botelho estavam certos. Os que prestaram atenção no que eles diziam sairam na frente. Venceram mais rapidamente os obstáculos daquele pântano de angústias.

Evidentemente não me atrevo a comparar o meu trabalho ao desses dois autores consagrados. Mas acredito que daqui a quinze ou vinte anos os profissionais de Engenharia e de Arquitetura já tenham se dado conta de que este meu argumento é correto. Só espero que não seja tarde demais.



ÊNIO PADILHA
www.eniopadilha.com.br | ep@eniopadilha.com.br



Não deixe de ler

ENGENHEIROS E ENGENHEIROS, artigo escrito em 1987 e publicado pela primeira vez no último capítulo do livro \"Marketing para Engenharia, Arquitetura e Agronomia\", em 1998, este artigo se insurge contra o comodismo dos profissionais que apenas exploram os direitos garantidos em lei, sem se preocupar em desenvolver o mercado para sua profissão;

ÁGUA E VINHO, artigo publicado em agosto de 2009 e que aponta como equivocados os pressupostos que criaram e estruturaram nosso sistema profissional;

NOSSAS INTERMINÁVEIS BRIGAS INTERNAS
, artigo que apresenta um dos \"10 Mandamentos para o Exercício Profissional Sustentável\" (Não investir energias nas brigas internas das profissões). Os Dez Mandamentos estão incluidos no artigo que foi Texto Referencial para o 7º Congresso Nacional de Profissionais em 2010.

Comentário #1 — 09/09/2010 12:51

Lígia Fascioni — Consultora de empresas — Florianópolis, SC

Brilhante, como sempre, Ênio!
Na verdade, penso que o problema desse povo que fica se consumindo em brigas (internas ou externas) é justamente a falta de foco - foco, na minha opinião, deve ser sempre ENTREGAR VALOR PARA O MERCADO. Mas isso, como você muito bem ressaltou, exige visão estratégica, coisa rara no mercado hoje em dia.
Parabéns e abraços!

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Lígia
Em trinta anos de Engenharia tenho transitado entre os mundos das lideranças políticas do sistema e das lideranças empresariais.
São mundos diferentes, com pressupostos diferentes e modus operandi diferentes. Nos dois mundos existem os extremos (os "fundamentalistas") que devem ser evitados, claro. O pressuposto do mundo da política profissional é que TUDO deve ser garantido e sustentado pela lei. Então as brigas são para que as leis estabeleçam os direitos e determinem os comportamentos. Esta visão não é totalmente errada (o erro está em acreditar que ela é totalmente correta)

Já o pressuposto do mundo dos negócios é o de que o mercado tem suas próprias regras e é a elas que TODOS estão subordinados.

Acontece que, no fim das contas, o sistema é sustentado pelos profissionais que se submetem às regras do mercado (e vencem os obstáculos que essas regras impõem). Infelizmente esses profissionais não têm tido voz no Sistema. Por isso eu acredito que o nosso sistema profissional (Confea, Creas, Associações, Sindicatos...) deveria dar mais ouvidos para autores como Lígia Fascioni, Manoel Botelho, Francisco Maia Neto, Dorys Daher, Neri dos Santos entre outros (entre os quais, se me permitem, me incluo).

O que esses autores têm em comum? Eles não fazem parte da elite política do sistema e, portanto, têm uma visão mais próxima à dos milhares e milhares de profissionais que efetivamente sustentam o sistema, produzindo serviços e pagando Anotações de Responsabilidade Técnica.

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