
VÔO 1907 - VÔO CEGO DA IMPRENSA E DO MINISTRO
Quem está acompanhando a cobertura da imprensa sobre o vôo 1907 deve ter percebido a evolução das notícias e como, em diversos momentos, foram dadas como "verdades absolutas e definitivas" versões que, mais adiante, foram rejeitadas pelas provas ou evidências.
No primeiro dia, antes de qualquer informação minimamente concreta, nosso Ministro da Defesa antecipou que "deve ter sido um descuido da tripulação da Gol".
Essa afirmação do Ministro foi de uma leviandade tão grande que permite a qualquer um de nós suspeitar de que havia ali muito mais do que apenas ignorancia. Talvez segundas intenções inconfessáveis.
Afinal, qualquer um de nós, viajantes ocasionais, teria evitado essa afirmação ou buscado melhores dados antes de antecipar qualquer conclusão. Como é que ele, que tem todo um corpo de assessores técnicos do ministério à sua disposição me sai com uma dessas?
Inaugurava-se ali, em grande estilo, uma sucessão de "descuidos" e de "bolas-fora" de autoridades e profissionais da imprensa.
Outras teses improváveis foram sendo sustentadas pela mídia, ainda que absurdas, como aquela de que a ponta da asa do Legacy teria quebrado ao bater na barriga do Boing da Gol. As evidências e os cálculos de engenharia mostraram que é muito mais provável que o choque do Legacy tenha sido com a asa do Boing;
E mais: Os tais "buracos negros" do controle aéreo - hipótese que não se sustentou; A altitude em que o Legacy deveria estar, no momento em que houve o acidente - afirmava-se que deveria ser de 36 mil pés e depois se viu que deveria ser de 38 mil pés.
Enfim, o que se viu (e está se vendo, e se verá ainda por algumas semanas) é um fato importante e grave sendo tratado de forma atropelada e irresponsável por pessoas (autoridades e jornalistas) que deveriam ser um pouco mais cuidadosas com as questões tratadas para não serem desmentidas tão vergonhosamente.
Trata-se não apenas do maior acidente aéreo da história do Brasil mas também, e principalmente, de um acidente muito raro. Segundo um estudo de Divisão de Fatores Humanos na Aviação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA), a probabilidade de uma colisão dessas é de 0,035 para cada 100 mil horas de vôo. Uma coisa mínima!
Acidentes com avião em nível de cruzeiro são igualmente raros. A maioria dos acidentes ocorrem na decolagem ou na aterrisagem.
Além disso, o acidente envolveu uma aeronave nova e outra praticamente nova;
E o comandante da tripulação da Gol (a quem o ministro atribuiu a culpa, no primeiro momento) era um piloto muito experiente, sendo, inclusive, instrutor de vôo da companhia.
Resumindo: não se trata de uma tragédia anunciada. Não há motivos óbvios. Não se deve, portanto, concluir nada precipitadamente.
Como eu já disse antes, as investigações certamente esclarecerão os fatos e servirão para evitar que acidentes assim voltem a acontecer. E, eu espero (embora não acredite) que a imprensa e as autoridades também tirem suas lições para fazer melhor a lição de casa em ocasiões futuras.
Quanto a nós (viajantes ocasionais) resta-nos a certeza estatística de que o avião ainda é o segundo meio de transporte mais seguro que existe.
Perde apenas para o elevador.
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