PENSE MELHOR ANTES DE ATIRAR PEDRAS NOS ESTÁDIOS DA COPA DO MUNDO
(Publicado em 23/01/2014)
Nos blogs e nas redes sociais (especialmente no Facebook e no Twitter) tá uma onda incontrolável de mimimi contra a Copa do Mundo. Tudo bem. Quem não gosta de futebol ou é contra a realização da Copa do Mundo no Brasil tem o direito de se manifestar. Mas, nesse caso, pelo menos utilize argumentos inteligentes.
Problema maior é quando Engenheiros e Arquitetos (que deveriam entender um pouco mais de números) atiram-se em argumentos vazios, só porque é o que todo mundo está dizendo e é bacana ficar bem na foto do perfil.
Ficar compartilhando posts comparando hospitais e escolas com estádios da copa do mundo não tem sentido. Mas parece surtir um efeito muito grande. Só que o efeito colateral é justamente "não pensar corretamente nem fazer as perguntas e exigências certas".
VAMOS FALAR DE NÚMEROS?
Tomemos apenas a Educação e a Saúde.
Quanto os governos do Brasil (governo federal, estados e municípios) investem em Educação e Saúde?
Dados oficiais (amplamente aceitos) dão conta de que o Brasil investe algo em torno de 5,1% do PIB em educação e cerca de 4% em saúde
Quanto é o Pib do Brasil? Peguei o valor num site estrangeiro, pra não haver contaminação política na informação: R$ 4.403.000.000.000,00 (quatro ponto quatrocentos e três trilhões de reais).
Pois bem: 9,1% (5,1+4) de R$ 4.403.000.000.000,00 = R$ 400.673.000.000,00 (quatrocentos ponto seiscentos e setenta e três bilhões de reais)
E quanto é o investimento público nos estádios da Copa do Mundo?
Segundo matéria publicada em novembro de 2013, no site do Jornal GazetaOnLine o valor total alcança a soma de R$ 8.005.000.000,00 (oito bilhões de reais)
Uma calculadora simples nos permite dizer que o investimento em estádios da Copa do mundo corresponde a 2% do investimento público em educação e saúde.
Significa que, se o Brasil dedicasse todo o dinheiro dos estádios para a saúde e a educação deixaria de investir 9,1% e passaria a investir 9,3% (pode fazer a conta. É uma regra de três simples)
Mas a questão não é essa. O problema é que, quando Arquitetos e Engenheiros ficam aumentando essa legião de pessoas que defendem simplesmente que o Brasil não deveria fazer a copa do mundo para investir em Saúde e Educação perde-se a discussão de questões muito mais importantes e que deveriam ser abraçadas neste momento por essas duas categorias:
PRIMEIRO: se a gente se impressiona tanto com os números envolvendo os estádios da copa, por que não nos impressionamos ainda mais com o número astronomicamente superior envolvendo os investimentos de saúde e educação?
E, veja bem, não me entenda mal: não estou aqui falando que é suficiente ou que é demais. Estou dizendo que é muito dinheiro. E que, desse total muito dinheiro é desviado para a corrupção. E ninguém está prestando atenção, porque está ocupado atirando pedras nos estádios da Copa.
Faça as contas. Se 5% do valor destinado para a educação e saúde for desviado para a corrupção, esse total (R$ 20.033.650.000,00) daria para construir 20 estádios ao preço médio dos estádios da copa. Por ano! Isto não é impressionante pra você?
Você já se perguntou a quem esse tipo de desconversa interessa? Você, meu colega engenheiro, meu colega arquiteto, quer mesmo ser um agente dessa desconversa?
SEGUNDO: Eu não acredito que não haja nenhum desvio ou caso de corrupção envolvendo o dinheiro público nas obras dos estádios da Copa do Mundo. Mas, com certeza, dada a visibilidade e a quantidade de fiscais (público, imprensa, políticos) de olho nessas obras, posso garantir que não é nos estádios que o ralo do dinheiro público vai se manifestar de forma mais intensa.
As outras obras de mobilidade (aeroportos, avenidas, metrôs, monotrilhos, etc) é que são o perigo. Justamente por falta do apelo jornalístico que essas obras têm e, por conta disso, a baixa fiscalização. São dezenas de obras pelo Brasil afora. Dá uma olhada AQUI. Cada obra dessas é um ralo, pronto pra ser acionado. Cadê os patruleiros para cuidar disso? Cadê os posts no Facebook. (não vi uma linha sobre o puxadinho que será feito no aeroporto de Fortaleza. Uma vergonha)
TERCEIRO: A Copa do Mundo, em si, nunca foi um mau negócio para o país. Pelo contrário: veja o Relatório da Ernst & Young Brasil sustentável Impactos Socioeconômicos da Copa do Mundo 2014. Mesmo descontados todos os exageros típicos desse tipo de documento, a Copa do Mundo é uma grande oportunidade. Oportunidade de o país se reinventar; Oportunidade de desenvolvermos nosso senso de responsabilidade e organização profissional; Oportunidade de produzirmos obras de infra-estrutura e de mobilidade que teriam efeitos por décadas. Tudo perdido! Ou porque não foi feito, ou porque não ficou pronto a tempo, ou porque teve seu preço muito alterado, ou por dezenas de outros motivos.
A Arquitetura e a Engenharia brasileira perderam uma grande oportunidade e parece que ninguém se importa. A quem interessa esse silêncio.
O VERDADEIRO PROBLEMA
O verdadeiro problema, (que esse discurso anti-copa está escondendo) é "como o governo gasta mal o dinheiro da saúde e da educação". O problema não é a Copa do Mundo. O dinheiro da Saúde e da Educação não foi desviado para as obras da Copa. Foi desviado para a corrupção pura e simples. E os corruptos estão felizes, porque tá todo mundo culpando a Fifa e culpando as obras da Copa do Mundo.
Pense nisso na hora de compartilhar seu ódio à Copa do Mundo e aos seus estádios. Pense sobre quem você está defendendo, de verdade.
PADILHA, Ênio. 2014
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