A RECORRENTE FÓRMULA DO FRACASSO
(Jean Tosetto - 01/12)

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Há quase meio século o Brasil repete um modelo de construção de casas populares que se provou parte de um grande problema, nunca de uma solução.




JEAN TOSETTO
www.jeantosetto.com





Não, a imagem acima não é um frame congelado do filme “Cidade de Deus” do festejado cineasta Fernando Meirelles - arquiteto de formação que retratou como a violência social explodiu no Rio de Janeiro a partir do fim da década de 1960. Esta imagem é de um conjunto habitacional em construção no interior de São Paulo, mas poderia ser Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul ou Pernambuco, dado que tanto o projeto das unidades residenciais quanto a configuração do arruamento seriam os mesmos, independente de clima e cultura local. Isso tudo na segunda década do século 21.

Não é preciso ser engenheiro ou arquiteto para constatar que estas casas são pequenas demais, carimbadas em lotes pequenos demais.

Apesar de contar com dois quartos, banheiro, sala e cozinha - com uma minúscula lavanderia pendurada do lado de fora – tais residências não são suficientes para dar abrigo a uma família completa. O agravante ocorre quando chegam os “agregados”: cunhados, parceiros sexuais da prole e netos, resultando em ampliações sem o devido acompanhamento técnico, produzindo cômodos sem o mínimo de ventilação e iluminação natural.

Do ponto de vista urbanístico o desastre é ainda maior: tais loteamentos populares são construídos sem espaços públicos de convivência, salvo ruas estreitas apinhadas de postes eletrificados. Como geralmente ocupam glebas descoladas do tecido urbano das cidades, um comércio clandestino se forma através de adaptações nas casas e nas invasões de eventuais canteiros de avenidas. Falta tudo: postos de saúde, creches, escolas.

A prova maior de que o perfil da comunidade a ser assistida com o financiamento destas casas é totalmente ignorado, é que as mesmas, por serem todas iguais, são sorteadas para as famílias contempladas - quando o correto seria, ao menos, oferecer algumas variações de projetos para que estas famílias pudessem escolher tanto uma planta quanto um lote mais adequado às suas necessidades. Tais projetos deveriam prever as possíveis ampliações dentro das normas vigentes.

Ideal mesmo seria que as comunidades contassem com arquitetos subsidiados por um programa estatal. Iniciativas neste aspecto até existem, mas nunca entram em voga, pois dariam muito trabalho: seriam necessárias novas quantificações e escolhas de materiais, e gente disposta a atuar neste serviço social, como ocorre com os advogados que trabalham como defensores públicos.

Se este modelo de propagação de conjuntos habitacionais populares é sabidamente falho, qual seria o motivo para ele continuar sendo amplamente difundido?

Em primeiro lugar vale destacar que o Ministério das Cidades - criado em 2003 - ainda não conseguiu demonstrar a sua eficácia neste sentido. A começar que a pasta nunca foi ocupada por um arquiteto urbanista ou engenheiro civil de renome, mas apenas por políticos de carreira.

Os meios acadêmicos, que poderiam se debruçar sobre novas propostas urbanísticas e arquitetônicas para construção de conjuntos habitacionais integrados às cidades, permanecem isolados da realidade, sem qualquer influência nas decisões políticas e sem um discurso claro para a sociedade.

Esta conta também fica pendurada na negligência dos profissionais diretamente relacionados com a questão. Engenheiros, arquitetos e urbanistas parecem estar mais preocupados com suas carreiras do que necessariamente com o bem das cidades. Seus conselhos de classe e entidades representativas tão pouco se esforçam para escancarar a necessidade de dar um basta nesta situação.

Solução à vista? Boa pergunta.





JEAN TOSETTO é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.

Nesta série que estamos publicando em 2014 teremos 10 artigos que serão publicados todas as segundas-feiras.

Visite o website: www.JeanTosetto.com
Faça um contato com o autor: jean@tosetto.net

Comentário #1 — 10/02/2014 16:30

Rogerio Novaes Arantes — Professor Universitário — Paulínia

Caro Jean,

Parabéns pelo artigo e pela coragem de tratar de assuntos tão espinhosos mas que são de suma importância para a sociedade. Nós que crescemos em um plano de cidade totalmente diferente na década de 80 sabemos o quanto nossas crianças e jovens estão cada dia mais ilhadas e apertadas em vilas como estas que depreciam o bem social e a qualidade de vida das cidades. Pena que são estes projetos que estão engordando as urnas com votos de eleitores alienados e empreendedores corrompíveis. Tem muita coisa por trás disso tudo, mas parabéns pela coragem e \"peito aberto\" para escrever e deixar sua opinião neste canal. Quem sabe sua voz faça eco e crie um levante para futuras mudanças neste fracassado processo. Abração!

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