BONS ARQUITETOS VISITAM OBRAS
(Jean Tosetto 03/12)

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Você pode até optar por se concentrar apenas nos projetos, delegando o acompanhamento de obras para terceiros, mas se não tiver o hábito de visitar as construções, estará perdendo oportunidades de crescimento profissional.




JEAN TOSETTO
www.jeantosetto.com





Lembro muito bem da primeira visita que fiz a uma obra em caráter profissional. Era para acompanhar a concretagem das fundações do meu primeiro projeto de residência. Um senhor estacionou seu carro nas imediações e foi conversar com o empreiteiro, pois queria saber se ele conhecia um engenheiro ou arquiteto na cidade. O mestre de obras apontou na minha direção e ali mesmo, verbalmente, fechei um acordo para desenvolver meu segundo projeto. Esta ocorrência foi significativa para o começo da minha carreira e comprovou o conselho que recebi dos melhores professores da faculdade: visitar obras era fundamental.

Ter contato com a mão de obra é muito útil para o aperfeiçoamento do diálogo entre o arquiteto e a equipe de execução do projeto. São nas visitas aos canteiros de obra que o vocabulário da construção é amealhado, cabendo ao profissional do projeto saber filtrar o que é cacoete ou vício daquilo que é uma informação útil para ser incluída no detalhamento de futuros projetos, com o objetivo de facilitar o entendimento dos mesmos por parte de pedreiros, carpinteiros, ferreiros e instaladores. Projetos com linguagem estritamente técnica e teórica tendem a ser mal compreendidos em alguns casos, quando ocorre a tentação da simplificação das coisas.

As visitas são fundamentais, também, para evitar erros crassos que resultam em reclamações por parte de contratantes, quando não em danos potencialmente custosos para serem sanados. A conferência do gabarito com a demarcação de estacas do alicerce, por exemplo, serve para evitar erros de recuos frontais e laterais, especialmente em loteamentos novos onde não existem referências de outras obras.

Alguns empreiteiros, mesmo os experientes, podem se enganar com a largura das calçadas, se eles usarem como referência outros loteamentos, com regulamentos distintos. Uma fundação concretada com um metro a menos de recuo gera uma tremenda dor de cabeça para ser sanada. A dica aqui é orientar o cliente da obra a solicitar a presença o engenheiro responsável pela empresa que eventualmente fará a perfuração das estacas para conferir previamente a demarcação das mesmas – é necessário também solicitar a apresentação de uma anotação de responsabilidade técnica por parte dele.

A conferência das ferragens das vigas baldrames ou sapatas, ou ainda coroamentos de estacas, também é importante. Nesta visita o arquiteto deve repassar com o empreiteiro a especificação do concreto a ser utilizado nestas peças estruturais. Em caso de fornecimento de concreto por parte de usina, deve-se solicitar sempre a extração de corpos de prova do concreto no local da obra. Pouquíssimos usineiros fornecem isso de bom grado, mas só o fato de pedir o corpo de prova para uma usina é um indicativo de que ela vai entregar o que foi encomendado.

Assim que o alicerce está nivelado, é imprescindível certificar se ele está devidamente impermeabilizado em suas três faces expostas, integralmente. A falha nas impermeabilizações das obras representa uma das maiores fontes de queixas de contratantes após o fim das construções, pois os sintomas de umidade se manifestam em pouco tempo. Mesmo que você tenha especificado isso no memorial descritivo e mesmo que não seja o responsável pela execução do trabalho, esse tipo de reclamação pode respingar em você. Não deixe isso acontecer: verifique os restos das embalagens dos produtos usados na impermeabilização do alicerce, pois a quantidade de caixas e galões é um sinal de que o serviço foi feito a contento. Pergunte ao mestre de obras se ele leu as instruções de aplicação de cada produto e indique eventuais necessidades de correções nesta etapa.

Quando as paredes da construção finalmente saem do chão, geralmente as primeiras caçambas para remoção dos entulhos são necessárias. Faça uma visita nesta ocasião, para verificar a concretagem de pilares, vergas e contra vergas das portas e janelas. Peça correção nas eventuais “bicheiras” (falhas na concretagem de deixam os ferros parcialmente a mostra) com aplicação de massa forte. E solicite limpeza geral e irrestrita no canteiro de obra, especialmente nas sextas-feiras. Explique que, nos fins de semana, muitas obras são visitadas por gente curiosa – entre eles clientes em potencial. Certamente tais pessoas tem pouco conhecimento sobre construção, mas vão ter uma péssima impressão se a obra estiver bagunçada. Neste caso é um ponto negativo para o arquiteto e para toda a equipe da construção. Uma obra limpa pode render outras obras no futuro.

A construção chegou ao ponto de laje. Esta visita é possivelmente a mais demorada de uma obra, pois exige a atenção do arquiteto em vários aspectos - o primeiro deles é a conferência dos escoramentos. A distância entre as linhas de escoras varia de acordo com o tipo da laje: nas lajes protendidas são mais espaçados e nas lajes treliçadas são mais aproximados. De posse dos projetos de instalações hidráulicas e elétricas, deve-se percorrer cômodo por cômodo para averiguar as passagens de canos de água quente e fria, esgoto, conduítes de fiação elétrica, telefônica, cabeamento de redes de Internet, alarme e TV. Tomadas e drenos de ar condicionado também podem figurar na lista. Estando tudo certo falta verificar a ferragem que é colocada sobre os painéis de laje: se houver beirais ou sacadas no projeto é importante conferir a ferragem negativa sobre os mesmos. Por fim, vale o mesmo procedimento com o concreto usinado: repassar a sua especificação e pedir o corpo de provas.

Dá trabalho? Dá sim. Pode ser algo repetitivo com o passar dos anos, mas a visita para conferência de montagem da laje é praticamente obrigatória. Não custa solicitar a presença de um representante da empresa que forneceu os pré-moldados da laje. Ele também deve conferir a montagem dos trilhos e mais: deve também autorizar a concretagem da laje. Deixe expresso para o empreiteiro a necessidade de regar a laje por vários dias depois da concretagem, para retardar a velocidade de cura do concreto e evitar pequenas fissuras. Não deixe que os escoramentos sejam retirados antes do previsto.

No caso de sobrados ou construções com mais pavimentos, novas visitas para análise de paredes e montagem de lajes são necessárias. Neste caso é bom prestar atenção também na montagem das formas das escadas. Uma escada mal executada, com degraus diferenciados no começo ou fim dela, ou ainda fora dos padrões de ergonomia, gera descontentamento por parte dos futuros usuários. Uma casa linda com uma escada desconfortável faz o cliente soltar os cachorros em todo mundo, inclusive no arquiteto que projetou o imóvel. Peça sempre para o empreiteiro regularizar as superfícies dos pavimentos antes de instalar as escadas, pois eventuais diferenças de pé-direito em relação ao projeto podem ser compensadas.

Muitos arquitetos se valem de coberturas bem elaboradas para fazerem suas obras ganharem destaque frente as demais. Quanto mais recortado um telhado mais a presença do arquiteto é necessária na obra, independentemente do material a ser empregado. Os oitões de alvenaria, as platibandas, as torres de caixa de água, as chaminés, as estruturas de madeira ou metal, as inclinações dos panos de caimento das águas: tudo deve ser conferido ou previamente orientado pelo arquiteto, mesmo que o projeto seja bem detalhado. Uma cobertura mal executada resulta em vazamentos com águas pluviais, gerando manchas nos tetos ou forros, e insatisfação nos contratantes. Pode ser a diferença entre ser recomendado para outro cliente ou não.

No acabamento de uma obra as visitas do arquiteto podem se desdobrar indefinidamente. Existem profissionais especializados em arquitetura de interiores que costumam entrar em campo neste momento. O certo é que ninguém vai ensinar um sujeito a assentar pisos no esquadro apenas visitando obras, por exemplo. Ou o sujeito sabe fazer isso ou não sabe. O que deve ficar claro no momento da contratação de um arquiteto, são quais visitas ele fará durante a obra. É mais do que justo estabelecer um valor por visita, pois elas demandam tempo e deslocamento do profissional.

Pessoalmente, sempre levo uma câmera digital nas visitas que faço, tirando fotografias sem dó. Quando retorno ao escritório redijo um breve relatório da visita, repetindo para o contratante, via e-mail, as instruções que passei para o empreiteiro ou mestre de obra. Envio em anexo boa parte das imagens captadas na construção, com cópia oculta para um endereço criado especificamente para ser um arquivo de segurança. Deste modo ofereço uma prestação de serviço melhor para o meu contratante, que terá um registro de cada etapa da construção, e me protejo de eventuais negligências por parte de terceiros, caso eles não sigam as orientações transmitidas nas visitas.

As melhores visitas, no entanto, a gente faz com a obra pronta, para tomar um café com um cliente satisfeito.






JEAN TOSETTO é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.

Visite o website: www.JeanTosetto.com
Faça um contato com o autor: jean@tosetto.net

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