MEMORIAIS VERSUS O “IN MEMORIAN”
(Jean Tosetto - 04/12)

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Arquitetos não são deuses e não trabalham para deuses, embora seja essa impressão que alguns arquitetos e contratantes queiram passar, com um altíssimo custo para os meros mortais.




JEAN TOSETTO
www.jeantosetto.com





A construção de obras arquitetônicas arrojadas e monumentais sempre foi usada como instrumento de propaganda política. Em sua breve passagem como imperador de Roma, Tito apressou-se em inaugurar o Coliseu – um monumento histórico que teve sua construção iniciada pelo seu pai, Vespasiano, igualmente um imperador. Tal fato ajudou em sua popularidade, a ponto de sua morte prematura resultar em seu endeusamento por parte dos romanos, no primeiro século depois de Cristo.

Na Era Moderna, os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol substituíram as arenas de gladiadores por estádios de esportes mais civilizados, ainda que isso represente uma demonstração de poder para a nação escolhida para sediar tais eventos.

O chanceler alemão Hitler usou as Olimpíadas de Berlim em 1936 para demonstrar a capacidade da Alemanha de reurbanizar uma cidade inteira, restaurando o orgulho ferido durante a Primeira Grande Guerra Mundial. O plano secreto do nazista megalomaníaco, no entanto, era tornar Berlim a nova capital mundial, através do Terceiro Reich.

Com a chegada do século 21, não basta mais aos países construir obras faraônicas: elas precisam ser executadas rapidamente, a um custo altíssimo de vidas, como visto nos acidentes dos estádios brasileiros para a Copa do Mundo FIFA de 2014 e da edição de 2022, no Qatar. A pressa para terminar as obras em tempo – no caso do Brasil pela falta de planejamento e no caso do Qatar por mera demonstração de ousadia – resultou na morte de reles operários, pois é deste modo que eles são considerados pelos agentes envolvidos no processo.

A declaração da arquiteta dos projetos do Qatar, a iraniana mundialmente badalada Zaha Hadid, é um exemplo disso: \"arquitetos não têm nada a ver com as mortes de operários em canteiros de obras\". Juridicamente ela pode ter razão, no caso de arquitetos que fazem os projetos, mas não são os responsáveis pelas obras. Porém, será que este é o papel de uma arquiteta de renome numa situação como essa?

No Pentateuco, que reúne os cinco primeiros livros da Bíblia, o Senhor relata para Moisés como deseja que seja construída a Tenda da Adoração, enquanto o povo judeu está vagando pelo deserto, antes de chegar à Terra Prometida. É, certamente, um dos memoriais descritivos mais antigos da história da humanidade.

Séculos antes, o Senhor separa os construtores da Torre de Babel através de novos idiomas, para evitar uma catástrofe tendo em vista o arrojo da proposta do projeto: erguer a construção mais alta do mundo, que alcançasse o céu e a morada do Todo Poderoso.

Logicamente um arquiteto não é uma divindade, embora alguns se sintam assim bem no íntimo, mas ele precisa ter em mente duas questões para elaborar um projeto:

1) Como fazer? - A resposta, além de ficar clara nos projetos, pode ser expressa também em memoriais descritivos e construtivos, de modo a elucidar soluções técnicas que se apresentem como inéditas para a equipe de execução.

2) Vale a pena fazer? - Desta vez apenas o memorial justificativo pode atuar como documento produzido pelo arquiteto. Na maioria das vezes o próprio arquiteto justifica, verbalmente, a validade de sua criação

Um arquiteto não pode se considerar alguém inatingível e dissociado da realidade. Portanto, se ele não tem responsabilidade civil sobre uma obra na qual não seja o responsável pela execução, ele tem a responsabilidade moral de projetar algo que seja realizável dentro dos procedimentos aceitos de segurança.

Mais do que criar algo inusitado ou radical, um arquiteto precisa saber apontar o modo correto como uma construção deve ser feita – e em quanto tempo deve ser feita – uma vez que Arquitetura é obra realizada, não apenas obra concebida.






JEAN TOSETTO é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.

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Faça um contato com o autor: jean@tosetto.net


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