DE CASO SÉRIO COM A MATEMÁTICA
(Jean Tosetto - 08/12)



Goste-se ou não dela, a Matemática está em todos os lugares. Uma hora é preciso se entender com tal senhora para colher os benefícios desta sábia atitude.




JEAN TOSETTO
www.jeantosetto.com





Tenho certeza de que isto já aconteceu com você: conhecer uma pessoa que, a primeira vista, lhe parece antipática e metódica, que age sem meios termos e parece ser irredutível, de difícil trato. Por alguma razão além de seu controle, vocês são obrigados a conviver diariamente, seja no ambiente de trabalho ou na faculdade. Com o tempo você percebe que esta pessoa pode ser amável contigo, assim que você compreende sua maneira de agir. Talvez você fique apaixonado por esta pessoa, mas nem precisa: basta ser amigo dela para que a relação seja duradoura. Se a Matemática pudesse ser personificada, esta seria uma boa definição para ela.

Os arquitetos, diferentemente dos engenheiros, não costumam ter o mesmo grau de afinidade com a Matemática por um simples motivo: se a Engenharia é facilmente compreendida no rol das ciências exatas, a Arquitetura mescla ciências exatas com ciências humanas. Para um arquiteto não basta deixar as edificações de pé, é interesse dele em saber como será a ocupação humana destes espaços. Por isso os arquitetos adicionam o imponderável e o subjetivo nas equações e as contas parecem ficar muito complicadas, por vezes. Se o arquiteto não compensar com um pouco de racionalização na receita, o bolo pode desandar.

Nas faculdades de Arquitetura as matérias que mais reprovam os alunos são aquelas relacionadas com o cálculo diferencial e a resistência dos materiais. Isto assusta muita gente na hora de prestar o vestibular, o que é absolutamente compreensível. Para superar tal temor não há outro jeito: é preciso se dedicar aos estudos, e para que isso não pareça algo chato, que vai consumir várias horas, é preciso procurar um modo de gostar de estudar Matemática. Mesmo porque, depois da faculdade, o arquiteto eficaz terá contato constante com outros profissionais, muitos dos quais serão engenheiros.

Um caminho para aprender a gostar de Matemática é compreender que ela está na explicação para muitas coisas que você aprecia: as melhores músicas, os prédios mais bonitos e as cidades mais agradáveis podem ser traduzidos em simples razões matemáticas, quais sejam: 1/1, 1/2, 1/3, 1/4, 2/3, 3/4, os inversos, os múltiplos e assim por diante – existe também a seção áurea, mas isso é assunto para os iniciados. O segredo está nas proporções equivalentes a frações perfeitas. Funciona assim com as notas musicais, com a distância entre as colunas de um edifício (alguém aí falou em ritmo?) e com a relação de altura de prédios versus a largura das vias de uma cidade. De modo não consciente, as pessoas fazem cálculos mentais o tempo todo, sem saber que isso influência o seu gosto pelas coisas.

Por incrível que pareça, são nas aulas de História da Arquitetura que estes conceitos de beleza matemática podem ser compreendidos de maneira mais clara. Quando observamos um edifício clássico, por exemplo, podemos considerar que a beleza dele está no detalhe de cada adorno em colunas e entablamentos rebuscados e esculpidos com talento de difícil reprodução em tempos modernos. Porém, se limparmos toda a decoração e identificarmos os eixos que estruturam formalmente a obra, encontraremos as relações de proporção que sustentam de fato a sua beleza.

Os primeiros modernistas aplicaram estas frações perfeitas em seus projetos extremamente simplistas e sem adornos, resultando em obras igualmente emblemáticas. Quando não se tem uma fração perfeita, isto ganha o nome de ruído, tanto na Música como na Arquitetura e no Urbanismo. Se você consegue assobiar uma canção, ela não terá ruídos que atrapalham a melodia: provavelmente será uma canção bonita. Por isso um edifício todo fracionado, dividido em vários componentes sem relação lógica entre si, não costuma ser agradável ao olho humano.

Arquitetos não precisam ser experts em Matemática, desde que compreendam os seus conceitos. Os Beatles, por exemplo, sequer sabiam escrever partituras musicais, mas tiveram o dom de criar as mais belas melodias e harmonias do século 20. Consta que Niemeyer não era um grande calculista, porém seus desenhos traziam relações entre as medidas que se convertiam em parábolas perfeitas, quando os calculistas entravam na história para passar o projeto a limpo.

É por isso que todo arquiteto que se preza deve ter um caso sério com a Matemática.





JEAN TOSETTO é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.

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Faça um contato com o autor: jean@tosetto.net

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