COTAS? SÓ PARA DETALHAR PROJETOS
(Jean Tosetto - 09/12)



O Brasil é uma grande nação de povos miscigenados – não há razão para dividi-los por cotas e pela cor da pele, onde o sol deveria ser para todos.




JEAN TOSETTO
www.jeantosetto.com





Peço licença aos leitores do site do Ênio Padilha para tratar de um tema que não se restringe à Arquitetura e Engenharia, mas que certamente interessa aos profissionais da área, uma vez que somos todos brasileiros, de nascença ou de acolhimento, e não vivemos numa redoma de vidro, indiferentes à realidade que nos cerca.

Logicamente trago uma opinião independente. Sei que não há consenso sobre este assunto. A postura cômoda de muitos é simplesmente se omitir, ou ficar em cima do muro quando são questionados. Eis um grande problema da nossa classe: nós - arquitetos, urbanistas e engenheiros - não temos o hábito de opinar publicamente, fora dos escritórios.

Nos anos de 1970 meu pai era funcionário da Petrobrás, quando uma empresa multinacional concorrente o convidou para trabalhar em num novo projeto, lhe oferecendo perspectivas de crescimento profissional. Meu pai deixou o emprego na estatal e se aposentou na iniciativa privada. Você consegue imaginar alguém fazendo isso hoje?

Um dos meus melhores amigos pediu exoneração do serviço público para seguir carreira como profissional liberal no começo dos anos 2000. Ele é engenheiro eletricista e trabalha em parceria comigo. Analisando por hoje, ele e sua família estão bem melhor do que antes, mas muita gente não tomaria tal decisão.

No Brasil, a nossa juventude não quer mais um plano de carreira em ascensão. A maioria não quer ser empreendedora. Nossos jovens querem passar num concurso público e ganhar a estabilidade financeira no serviço público. É uma situação absolutamente compreensível, mas não tem como um país ir para frente com essa mentalidade dominante.

Meu sangue é tão misturado que eu poderia me declarar como pardo e provar isso através de um exame de DNA. Eu teria motivos para comemorar o projeto de lei que está sendo aprovado no Congresso, referente a cotas raciais de 20% em concursos públicos - só que não!

Sinceramente? Isto é um retrocesso. Negros e pardos que passariam em qualquer concurso sem cotas, agora correm o risco de serem desvalorizados de forma camuflada, no ambiente de trabalho, por aqueles que vão considerar que eles se beneficiaram das cotas.

Se o Brasil, que ganhou cinco Copas do Mundo com brancos, negros e pardos no time, não tinha racismo, agora tem. O esporte é bonito por causa disso: num ambiente de livre concorrência não existem cotas e o racismo é derrotado.

O ambiente da construção civil é muito parecido, neste aspecto, com os campos de futebol. Visito muitas obras e converso com muita gente: empreiteiros, pedreiros, carpinteiros, ferreiros, serventes, encanadores. Eles são brancos, pardos, negros, amarelos; misturados nas mesmas equipes e não dá para dizer que este é melhor do que o outro, em nenhuma função.

No canteiro de obras - assim como no Brasil, um pais de extenso litoral banhado de sol - todos são bronzeados. Aplicar cotas para vestibulares e concursos é como lambuzar todo mundo com um filtro solar de fator um milhão: é tanto creme que perdemos nossa identidade.

Sou a favor de educação para todos, saúde para todos, saneamento básico para todos, cidades para todos. Arquitetos, urbanistas e engenheiros estão diretamente relacionados com isso. Está na hora de abrirmos a boca. A real solução para os problemas do Brasil passa pelas nossas pranchetas eletrônicas, onde o negro da tela vira branco na impressão, e vice-versa.





JEAN TOSETTO é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.

Visite o website: www.JeanTosetto.com
Faça um contato com o autor: jean@tosetto.net

Comentário #1 — 07/04/2014 08:20

Ênio Padilha — Engenheiro e Professor — Balneario Camboriu - SC

Eu não sou contra a política de cotas. Entendo a sua necessidade. E sei que pode produzir resultados.
No entanto, esse governo conduziu o processo de forma grosseira e desrespeitosa com milhões de brasileiros. Gente que se preparou para um vestibular de acordo com determinadas regras e, de repente, faltando três ou quatro meses, foi informada de que a regra mudou de forma abrupta. Isso não foi justo.

Se havia 500 anos de defasagem, não custava nada conduzir o processo de implantação das cotas de forma gradual, por exemplo, acrescentando 5% por ano até chegar aos valores finais. Isso iria dar a todos (candidatos, professores, universidades...) o tempo necessário para se adaptar. Em cinco ou seis anos chegaríamos aos números finais. Isso não seria nenhum absurdo.

A mesma coisa está sendo feita agora, com as cotas para o serviço público. A estratégia não é social. É eleitoral!

Comentário #2 — 07/04/2014 08:55

Ricardo Pereira e Silva — Professor Universitário — Floriaópolis

Meu caro amigo Padilha, eu não concebo que pessoas sejam tratadas de forma diferente por conta da cor da sua pele. Penso que esse comportamento é coisa de quem ainda não foi devidamente educado, não foi devidamente talhado para viver em grupo.
Lembro que sempre que alguém - na sua suposta bondade - concede um privilégio por razões tortas, mais tarde vai cobrar o favor.
A fala mais sábia que já ouvi a respeito de racismo é do ator Morgan Freeman (buscar no Youtube, com as palavras-chave Morgan Freeman e racismo)

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Meu querido amigo Ricardo Pereira e Silva. Que honra tê-lo como leitor do nosso site.

Eu concordo com o seu comentário também. A política de cotas não seria a minha primeira escolha para enfrentar o problema. Mas não sou contra a política de cotas em si. Sou contra a maneira como ela foi implementada no Brasil por esse governo que só faz cálculos políticos.

Comentário #3 — 07/04/2014 16:49

Ricardo Meira — Arquiteto — Brasília

Caros Jean e Ênio,
Não concordo com a política de \"cotas étnicas\" ou \"cotas raciais\" na forma que foi implantada no Brasil, por institucionalizar a discriminação de forma a resgatar as injustiças praticadas contra os pretos e pardos há séculos. É fato que a abolição \"para inglês ver\" (literalmente, essa é a origem da expressão) se mostrou tão nefasta quanto a própria escravatura. Mesmo nos EUA, cuja abolição definitiva se deu em 1863, e várias políticas afirmativas foram implementadas, a segregação racial se mostrou arraigada nas raízes da sociedade de forma perversa. Seria hipocrisia dizer que não vivemos num país racista. A imensa maioria de pobres, analfabetos, presidiários é preta e parda. Herança maldita de décadas e décadas de perpetuação de uma situação socioeconômica complexa, difícil de ser revertida. Neste aspecto, concordo e discordo do texto na mesma medida. Hoje defendo uma política emergencial de cotas sociais nas universidades, por exemplo, onde entendo que as universidades públicas devem ter parte de suas vagas reservadas aos oriundos das escolas públicas, numa política direta de inclusão social que evidentemente se converteria indiretamente em benefício de uma maioria preta e parda. Contudo, o risco maior é entender as cotas como a panacéia para as mazelas sociais em detrimento de um investimento massivo na educação de base, tornando em última instância as cotas universitárias parcialmente eficientes. É uma conta complexa, que deve considerar os benefícios imediatos inerentes a estas ações afirmativas, sem, contudo, prescindir da atenção ao risco da discriminação racial oficializada. Sempre me perguntei o que seria o mais justo: beneficiar os pretos e pardos, independentemente da sua condição social ou considerar o pobre preto, pardo, branco, amarelo, índio, numa ação amplamente mais eficiente e não galgada em qualquer princípio de cunho étnico, o que (aí nosso ponto de convergência) não deveria fazer o menor sentido no miscigenado Brasil. Sou branco dos olhos verdes, bisneto de preto, neto de mulato. Provavelmente tive uma tataravó escrava, como quase todo brasileiro. E aí?

Comentário #4 — 07/04/2014 17:48

Jean Tosetto — Arquiteto — Paulínia

Caro Ricardo Meira,
Sou a favor de investimentos históricos na escola pública de qualidade para todos, desde o ensino fundamental. Levaria 20 ou 30 anos para a sociedade brasileira começar a perceber as diferenças. Por isso penso que é difícil, quase impossível, que algum estadista seja eleito com essa bandeira, pois nenhum político pode esperar esse tempo todo para colher os frutos de seus projetos.
Também tenho olhos verdes e uma avó mulata. Certamente parte de meus bisavôs eram negros, que casaram com bisavós descendentes de italianos por parte de pai. Meu outro lado é uma mistura de alemães e russos. Eu só poderia ser brasileiro, feliz por misturar ginga e autodisciplina na mesma personalidade.
As cotas, como estão colocadas, só servem para gerar conflitos e fazer o povo desviar o foco de atenção para as mazelas que pedem soluções urgentes. A primeira delas seria retomar o caminho da democracia interrompido por uma espécie de golpe ideológico que vem solapando nossas instituições.

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Jean e Ricardo
Nessa questão os comentários de vocês dois me representam. E entendo que vocês não estão discordando entre si. Acho que o problema está mesmo na maneira como a "solução" foi conduzida por este governo.

Comentário #5 — 11/08/2014 11:10

JOSE LUIZ MENDES GOMES — Aposentado — São Vicente - SP

Prezados, não vou comentar a discussão, somente perguntar: Antes das cotas, que oportunidade eram dadas aos negros e afins, num país eminentemente discriminatório, onde somente a burguesia tinha acesso à universidade? O que me parece é que há no ar um ranço, talvez nem até pelo sistema de cotas, mas por um governo que inovou, que jogou por terra pretensões de domínio social, hoje filhos de faxineiras, porteiros e componentes da classe social menos abastada possuem condições mais favoráveis de acesso universitário. O que leva certas camadas da população a ser contra cotas, importação de médicos e engenheiros de outros países? Será que profissionais do Brasil não "confiam no taco"? Ou será que médicos de outros países poderiam observar que por exemplo no Brasil as cesarianas desnecessárias são uma regra? Ou que o superfaturamento de obras é corrente? He,he,he, e isso não ocorre a partir de 2002 não! É aquele velho ditado: Que não se aponte o dedo para o erro alheio, pois sempre terá três dedos apontados para si mesmo"

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