NA CONTRA-MÃO
(Publicado em 06/03/2015)
Segundo matéria publicada no archdaily.com.br, um relatório publicado na Inglaterra dá conta de que "dos 149 empregadores e 580 estudantes e recém formados em arquitetura que participaram da pesquisa, a grande maioria criticou a formação arquitetônica por priorizar o conhecimento teórico em vez da habilidade prática e concorda que a maior parte dos graduandos não são muito bem preparados para trabalhar após saÃrem da universidade".
Mesmo sabendo que minha opinião não conta muito, EU DISCORDO!
Imagem Pixabay: blizniak
FACULDADE É PRA APRENDER TEORIA
Minha opinião sobre este assunto contraria meio mundo. Ou melhor, contraria quase todo mundo: eu defendo o ensino de mais teoria e menos prática nas faculdades de Engenharia e Arquitetura.
Não. Não pare de ler, por favor. Nem me atire pedras antes de dar um pouquinho de atenção aos meus argumentos.
Henry Ford, o industrial norte americano, dizia que “pensar é o trabalho mais pesado que há. E talvez essa seja a razão para tão poucos se dedicarem a isso”.
O mundo da construção civil e das fábricas (onde atuamos) é o império do conhecimento prático. Tá cheio de práticos. De gente que aprendeu tudo na escola da vida. De gente cheio de experiência. Justamente porque o conhecimento prático é aquele que se obtém da forma mais fácil: aprender fazendo. Por isso mesmo tanta gente tem esse tipo de conhecimento.
Se um engenheiro ou arquiteto quer ser diferenciado ou especial nesse meio, tem de oferecer algo que essas pessoas não têm. E esse algo é justamente o domÃnio da teoria. Num canteiro de obra um arquiteto ou engenheiro é justamente a reserva de conhecimento teórico necessário para que a coisa não desande.
Mas existe um discurso dominante de desvalorização do conhecimento teórico. É uma espécie sutil de bullying muito semelhante ao que existe nas escolas de ensino fundamental e médio.
Nos canteiros de obra e no chão da fábrica o domÃnio da prática é supervalorizado como uma forma de dominação e poder. O poder dos que não sabem (ou não gostam de) pensar.
Um engenheiro ou arquiteto que desista de ser um pensador, que desista de buscar soluções teóricas para os problemas que enfrenta, vira um fazedor. Um pesquisador de tabelas, preenchedor de planilha, aplicador de fórmulas, um mero repetidor de tabelas de fabricantes, de catálogos e soluções pré fabricadasÂ… um sujeito útil. E substituÃvel.
O arquiteto ou engenheiro deve reagir a isso. Deve ser bom em conectar conceitos, identificar princÃpios, avaliar alternativas que estejam ainda no campo da abstração. Isso é difÃcil. Só sabe fazer isso quem tem experiênciaÂ… em pensar.
A experiência em pensar é uma coisa que pouca gente tem. E quem não tem não consegue avaliar a sua importância. E, se não consegue avaliar, nunca saberá valorizar.
Quer dizer, então, que, durante a faculdade, o aluno deve desprezar as oportunidades de obter alguma experiência prática de aplicação dos seus conhecimentos teóricos? Claro que não. Pelo amor de Deus! É claro que o estudante de Engenharia ou de Arquitetura deve, durante a sua formação, ter a oportunidade de exercer, na prática, seus conhecimentos. Entender como a coisa funciona no dia-a-dia, no chão da fábrica ou no canteiro de obra.
Como eu já tive oportunidade de dizer em outros artigos, experiência e prática são importantes para o exercÃcio profissional. Mas os estágios curriculares e algumas atividades extra-curriculares são suficientes para que você saia da faculdade pronto para enfrentar o mercado. Mas a verdadeira experiência e o domÃnio da prática profissional deve ser uma conquista pós-formatura.
O estágio, aliás, é um dos principais problemas da formação de arquitetos e engenheiros no Brasil: os programas de estágios, principalmente em escritórios de projeto, transformaram-se em programas de exploração de mão de obra qualificada e barata, onde estudante é levado a crer que está tendo alguma vantagem (em colocar a mão na massa) mas, na prática, está envolvido em uma atividade que irá acrescentar muito pouco à sua formação de profissional. (Mas isso já é assunto para outro artigo)
O importante aqui é deixar claro a seguinte posição: a faculdade é apenas uma parte do processo de formação de um arquiteto ou de um engenheiro. Nessa fase, o importante é dar a esse estudante exatamente algo que ele nunca mais terá oportunidade de obter depois que iniciar o exercÃcio profissional. Esse algo é justamente o conhecimento teórico.
O conhecimento prático ele poderá obter com certa facilidade depois de formado. Não é dramático nem grave que um profissional recém-formado não tenha (ou tenha pouco) conhecimento prático.
Pessoas que insistem em exigir de um recém formado um conhecimento prático das coisas estão prejudicando esses jovens. Estão fazendo com que eles pulem etapas e busquem se nivelar aos “doutores da prática” abrindo mão da única coisa que pode fazer deles profissionais realmente indispensáveis: a capacidade de saber pensar.
O problema não é ensinar mais teoria e menos prática na faculdade. O problema é não conversar com os jovens sobre isso. É não dar a eles uma noção do quanto importante é o conhecimento teórico. De como utilizar isso para se diferenciar no mercado de trabalho. O problema é ensinar teoria na faculdade e permitir que o estudante se sinta culpado por não dominar a prática. O problema é, muitas vezes, negligenciar a importância da conexão entre a teoria e a prática.
PADILHA, Ênio. 2015
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