ABRE TEU OLHO, COLEGA ARQUITETO

(Publicado em 22/09/2015)



Lá pelos idos de 1989 um colega me recomendou (entusiasmado) a leitura do livro “GANHAR”, uma autobiografia do empresário francês Bernard Tapie, que, na época, era presidente da Adidas, marca alemã de material esportivo.

Li, mas não gostei. O que estava escrito no livro causava em mim um certo desconforto. As soluções e os caminhos apontados pelo autor como as melhores alternativas para conduzir os negócios (e a vida), ainda que surtissem efetivos resultados para os negócios do autor, me pareciam transitar perigosamente próximas do estelionato, da deslealdade, da ganância e da mesquinharia.

Cheguei a fazer esses comentários para o colega que me havia recomendado a leitura. Tenho certeza que ele não gostou nada, nada da minha avaliação (até porque, em última análise, minha avaliação do livro refletia minha avaliação das escolhas e preferências do meu colega).

Pois bem: alguns anos depois Bernard Tapie foi preso num rumoroso escândalo envolvendo manipulação de resultados em jogos de futebol. Descobriu-se, então, que ele era um sujeito de índole duvidosa, afeito a negócios escusos e que outras atividades da sua vida empresarial também eram passíveis de suspeição. Aquilo desencadeou outros processos e ele acabou falindo e arrastando consigo parte das empresas que dirigia e, certamente, milhares de leitores a quem ele influenciou com seu livro.

Por que digo isto? Porque, na semana passada adquiri um livro (um e-book) apresentado como “o primeiro livro sobre empreendedorismo na Arquitetura”.
Não vou dizer aqui o título do livro nem o nome do autor para não dar ibope para um produto ruim.

O livro é caro (cerca de R$ 100,00), muito mal acabado, tem menos de 120 páginas (E teria menos, não fossem as letras enormes, algumas ilustrações desnecessárias e as páginas utilizadas para publicar elogios ao trabalho do autor). Além de mal diagramado e visualmente pobre.

E esse autor nem está sozinho. Faz parte de uma boa meia dúzia de Consultores/coaches/evangelizadores que estão atulhando a caixa de e-mail dos colegas arquitetos e designers, com pelo menos uma mensagem TODO SANTO DIA. Todos com abordagens muito semelhantes e objetivos iguais: desvendar o segredo do sucesso!

Mas isso é o de menos. Releva-se.
O problema é aquela sensação de estar relendo o livro do Bernard Tapie. Um livro que se propõe a ensinar empreendedorismo mas que se limita a descrever estratégias de marketing, negociação e vendas (neste caso, convém informar ao autor que existem sim, há algum tempo, outros livros publicados no Brasil e em outros países sobre o tema).

No livro são ensinadas técnicas de manipulação dos clientes. Truques baseados na neurolinguística conceitos como “gatilho mental” (para provocar comportamentos nos clientes), ou “isca” para atrair clientes incautos.

Para um livro que se propõe tratar de empreendedorismo, é muito estranho não haver um capítulo sobre a construção e gerenciamento da equipe de trabalho do profissional; não há um capítulo tratando do gerenciamento financeiro; não se fala em ética, em sustentabilidade da profissão, em contribuição do profissional para o engrandecimento da categoria. Nada! Só promoção e técnicas de negociação e venda dos produtos.

Ao ler o livro cheguei à conclusão de que se trata de um manual de como explorar a Arquitetura, sem considerações deontológicas e nem éticas. Um livro sobre como produzir resultados comerciais sem se comprometer com a excelência e com a qualidade duradoura da prestação do serviço.

Como no livro de Bernard Tapie essas técnicas, dicas e truques realmente funcionam. Produzem resultados. Porém, na minha opinião, cobram um preço caro no longo prazo.

Enfim, trata-se, na minha avaliação, de um livro sobre como se dar bem (sem outras considerações ou medidas). Se é só isso o que você quer como arquiteto, vai fundo. Entre em contato comigo que eu passo o nome do autor e do livro, sem problema.

Mas, se o que você quer é desenvolver-se profissionalmente, contribuir para o desenvolvimento do mercado, valorizar a profissão e ter um crescimento profissional responsável e sustentável... abre teu olho, colega arquiteto!





PADILHA, Ênio. 2015





Comentário #1 — 23/09/2015 08:26

Jean Tosetto — Arquiteto — Paulínia / SP

O supermercado está repleto de comida empacotada que vai à mesa com menos de cinco minutos de microondas. Em geral elas são como bombas de sódio para a pressão arterial das pessoas.
Na literatura de auto-ajuda e no empreendedorismo acontece algo semelhante.
Não existem fórmulas mágicas sem efeitos colaterais.
Sem tempo de preparo e cuidado com os ingredientes, ninguém vai longe.

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Perfeito, Jean.

Comentário #2 — 07/05/2020 08:47

Micheli Mohr — Engenheira Civil — Florianópolis

Simplesmente maravilhoso esse artigo!!!!

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