FALSA AUTORIA

(Publicado em 18/10/2004)



Tenho sido implacável com alguns amigos que, de vez em quando, com a maior das boas vontades, me enviam textos do Mário Quintana, do Luiz Fernando Veríssimo, de Shakespeare, Jorge Luiz Borges, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.
Embora eu não seja especialista em literatura, sou um pouco desconfiado com esses textos que circulam na internet. Boa parte deles é apócrifo, ou seja, circula sem crédito de autoria ou é atribuído indevidamente a este ou àquele autor.

Aí o amigo me manda, com todo o carinho e boa intenção, um texto desses... e recebe, em seguida uma resposta minha, do tipo: "desculpa aí, amigo, mas esse texto não é do Mário Quintana. Na verdade é da Martha Medeiros..." ou "Não é do Luís Fernando Veríssimo. Não sei de quem é, mas não é do LFV."

Foi o que aconteceu recentemente com um texto que circulou intensamente na internet, atribuído ao cantor e compositor Herbert Viana, comentando a busca insensata pela beleza física, evidenciada pela mal sucedida cirurgia de lipo-aspiração de um conhecido cantor popular.

Desconfiei da autoria na hora (e mandei a resposta para o remetente). O texto continuou sendo veiculado na internet, de forma vertiginosa. Duas semanas mais tarde, quando a coisa já estava indo bem longe, com o texto sendo lido, no ar, pelo "jornalista" Cacau Menezes na RBS (A Globo, aqui em Santa Catarina, com alcance de mais de 4 milhões de espectadores), pulei da cadeira. Fui para a internet e pesquisei o verdadeiro autor do texto. Não levei mais que um minuto para encontrá-lo. Na verdade, era uma autora: Rosana Hermann. Que já estava indignada com a evidente má-fé de quem deu início à confusão (veja detalhes no site www.queridoleitor.com.br)

Na semana passada, com a morte do grande Fernando Sabino, decidi que o nosso site faria uma singela homenagem, publicando, no espaço destinado às frases interessantes, alguma coisa dele. Estava inclinado a publicar a famosa frase "No fim dá tudo certo. Se não deu certo ainda é porque não chegou ao fim" uma frase dele (na verdade, do pai dele, relatada em um dos seus livros). Mas à noite, vendo o Jornal Nacional, um outro texto me pareceu mais interessante: um bilhete que Fernando Sabino teria escrito aos nove anos e que ele enviou, no ano passado, ao amigo Moacyr Werneck de Castro

“Quando eu morrer com certeza vou para o céu, o céu é uma cidade de férias, de férias boas que não acabam mais.Assim que eu chegar lá, vou procurar São Francisco de Assis, para ficar amigo dele, amigo mesmo, de verdade, tão amigo, tão íntimo, que ele há de me chamar de Nandinho e eu hei de chamar ele de Chiquinho"

Na mesma hora resolvi que esse seria o texto a ser publicado no nosso site e assim foi feito.

Na sexta-feira o próprio Jornal Nacional (numa atitude, aliás, muito elogiável) corrigiu o engano.
Na verdade, o texto que foi lido na edição de segunda-feira (e que eu, todo animado publiquei no meu site) não é de Fernando Sabino e sim de Álvaro Moreyra. Um poema cujo título é "Projeto", publicado em 1929 no livro "O Circo" e republicado mais tarde em outro livro do mesmo autor, As amargas, não - página 120. (e que não aparece, é claro, em nenhum livro de Fernando Sabino).

O Jornal Nacional não esclareceu quem foi que descobriu o furo, mas acredito que tenha sido um dos milhares de fãs de Fernando Sabino (que estranharam o fato de nunca terem lido nada igual em nenhum dos 50 livros publicados pelo escritor)... ou, o que é mais provável, alguns dos admiradores e estudiosos de Álvaro Moreyra, que reconheceram o poema e devem ter enviados inúmeros e-mails para o JN, pedindo a correção do equívoco.

De qualquer forma, eu, que entrei nessa também (verdade seja dita: o texto tem toda a cara do Fernando Sabino!), peço desculpas aos meus leitores que visitam nosso site todas as semanas. Prometo ficar ainda mais atento no futuro.

Autoria intelectual é coisa muito séria. Eu já disse isso inúmeras vezes.

Uma frase, um texto, uma música, ou qualquer obra intelectual, quando citada, deve sempre vir acompanhada do seu autor e, se possível, da circunstância em que foi produzida. Isso é o que dá graça às citações.

O resto é conversa.





PADILHA, Ênio. 2004





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