A GENTE AINDA NÃO SABE BRINCAR DISSO

(Publicado em 14/08/2016)



É muito comum, em Jogos Olímpicos, que uma medalha tida como certa acabe sendo perdida na hora da competição, por fatores diversos. Acontece sempre e já aconteceu muitas vezes na Rio 2016 com atletas e equipes de diversos países

Uma das “medalhas de ouro” que todos consideravam garantidas para o Brasil nesses jogos olímpicos era justamente a da hospitalidade e a simpatia da torcida.

Ledo Engano. O que vimos na Copa do Mundo nos deixou animados demais. Achamos que a torcida brasileira seria uma das coisas mais sensacionais do Brasil nesses Jogos. Não paramos pra perceber que o comportamento aceitável na torcida em um estádio de futebol pode ser muito inadequado em outros esportes. E, cá pra nós, no quesito "boa educação" nem no futebol a gente está tão bem assim. Basta observar que a torcida brasileira raramente faz silêncio em "minuto de silêncio" e continua a bagunça que estiver fazendo, na hora do hino nacional...

Pois bem, mal começaram os jogos e as reclamações começaram a aparecer. A torcida brasileira foi considerada por atletas e jornalistas do mundo inteiro, como "agressiva, exagerada e mal educada".

Os jornalistas brazucas ficaram todos ofendidos e, como pais e mães que mimam os filhos birrentos, puseram-se a defender o comportamento dos torcedores brasileiros. Daí pra frente a coisa foi desandando, até chegar ao ponto de grandes ídolos do esporte nacional, como Gustavo Kuerten terem de entrar em ação. Guga gravou um vídeo, no sábado, dia 13/08/2016, pedindo aos brasileiros que parassem de vaiar os adversários ou fazer pressão inadequada para que eles cometessem erros nas competições.

Que coisa feia!

Vou falar de alguns casos. E vou começar por aquele mais polêmico (mais gente tende a defender a torcida brasileira, neste caso específico): Hope Solo, goleira da seleção de futebol dos EUA, antes de viajar para o Brasil, publicou uma foto usando mascara de proteção contra o mosquito da Zika. Os brasileiros se sentiram ofendidos.

Foi uma brincadeira de mau gosto? Foi. Foi ofensivo aos brasileiros? No meu entendimento, foi, sim. Ela mandou mal. Recebeu muitas críticas. Reconheceu o erro. Pediu desculpas públicas, antes mesmo de chegar ao Brasil. E repetiu o gesto quando chegou aqui.

Os brasileiros aceitaram as desculpas da moça? Não. Claro que não! No primeiro jogo dos EUA ela foi vaiada e xingada durante toda a partida.
Ok. Até aqui, embora exagerada, a reação da torcida brasileira pode ser considerada aceitável (para os padrões do Futebol, claro).

Mas não ficou nisso. Ela passou a ser literalmente, perseguida nos treinos e nos jogos. Tratada como PERSONA NON GRATA no país dos Jogos Olímpicos. Como não está acostumada com isso, ficou visivelmente abalada. Isso foi visto claramente no último jogo da fase de grupos, quando ela falhou gravemente (uma coisa rara na sua carreira de atleta) nos dois gols que seu time sofreu.

Os torcedores brasileiros estavam felizes. Depois que o time dela foi desclassificado pela Suécia nas quartas-de-final ela já estava completamente desequilibrada e perdeu a linha completamente. A torcida brasileira vibrou. Conseguiu seu objetivo. Prejudicou o desempenho de uma atleta concorrente do time brasileiro.
É bonito isso? A imprensa brasileira achou tudo normal.

Num segundo caso, na partida de tênis de mesa do brasileiro Hugo Calderano contra Peng Tang, de Hong Kong, a torcida vaiava o adversário antes de cada saque. Como no tênis de mesa esse tipo de comportamento não é normal (porque os atletas precisam do silêncio para ouvir o barulho da bolinha), Tang, evidentemente ficou muito irritado. E foi mais vaiado ainda, por ter ficado bravo.
O mesmo aconteceu com o mesatenista chinês Zhang Jike e com vários outros jogadores. Bastava a torcida brasileira adotar um dos competidores que o seu adversário seria vaiado e xingado até perder a paciência e a concentração. Uma coisa horrorosa!

Nem o atletismo, um esporte clássico, escapou. Recomenda-se que a torcida faça silêncio nos segundos anteriores a uma largada, mas isso raramente acontece por aqui. (como já foi dito, nós não ficamos em silêncio nem em "minuto de silêncio")

O silêncio da torcida nos segundos que antecedem à partida dos 100m com Usain Bolt na pista (ou quando um brasileiro está na disputa) não representa um sinal de respeito ao atleta. Representa, muito mais, atenção e interesse do público a um fato importante que ocorre na pista.

Respeito é o que se manifesta quando o estádio faz silêncio na hora da largada de uma prova onde não existe uma grande estrela na pista. Isso é respeito. O resto é interesse próprio. É o mesmo silêncio que a torcida faz quando o jogador do seu time vai cobrar um pênalti numa partida de futebol. Não é respeito. É outra coisa!

Nas partidas das eliminatórias dos 100m (sem Usain Bolt na pista) os árbitros tinham de pedir reiteradamente que a torcida fizesse silêncio. O mesmo aconteceu inúmeras vezes na Natação (inclusive no episódio envolvendo o "folclórico" Galvão Bueno e um jornalista da BBC).

E mais (ainda no atletismo) no final de cada competição a torcida simplesmente invade a pista (para tirar fotografias e sei lá mais o quê). Deve ser porque não existe, em nenhum lugar, no Estádio Olímpico, uma placa escrito "É PROIBIDO AOS TORCEDORES INVADIR A PISTA DE COMPETIÇÃO". Só pode.

A coisa é tão inusitada que a Federação Internacional de Atletismo teve de emitir uma nota no domingo pela manhã pedindo que a segurança do estádio garanta que isso não vai mais se repetir pois coloca em risco a integridade de atletas, árbitros e equipamentos. Que vergonha.

Mais uma: Durante a realização da Maratona Feminina, as atletas passando (correndo) e os "torcedores" com faixas e gritos "FORA TEMER - FORA TEMER - FORA TEMER" (em alguns casos, invadindo a pista da corrida). O que é isso? Que falta de respeito! (e seria igualmente, falta de respeito se fosse, FORA DILMA, FORA LULA, FORA CUNHA ou FORA-QUEM-QUER-QUE-FOSSE). As atletas se prepararam muito, deveriam estar recebendo gritos de incentivo, de apoio. Aí um bando de oportunistas aproveita-se da oportunidade criada (justamente pelas atletas) para promover suas vontades políticas. Que coisa!

Resumindo. A torcida brasileira perdeu uma medalha de ouro que todos julgavam garantida. Não foi desta vez. Ainda falta muito investimento em educação para que a gente tenha uma torcida com padrão internacional.





PADILHA, Ênio. 2016

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