DEVAGAR COM O ANDOR!
(Publicado em 21/09/2008)
Imagem: OitoNoveTrês
O assunto é inevitável. É a pauta da hora: está faltando engenheiros no Brasil!
Todos os dias algum veículo da grande mídia traz esse assunto à baila. Engenheiros e estudantes de Engenharia não poderiam estar mais felizes. Tudo parece muito bem.
Eu não quero ser o estraga-festas, mas tenho de falar umas coisinhas. Fazer umas perguntinhas: O que nos levou a isto? O que levou o Brasil a, "de repente" ficar sem engenheiros? Que parcela da responsabilidade cabe aos próprios engenheiros? Como esta questão será resolvida? O que vai acontecer quando essa questão for resolvida? A quem interessa resolver essa questão?
A Engenharia Brasileira, cuja história remonta ao final do século XVIII viveu seu período de ouro entre a década de 1920 e o final da década de 1970. Foi um período marcado pela liderança brasileira no desenvolvimento da tecnologia de concreto armado; de forte desenvolvimento do setor elétrico nacional; de muito investimento em infra-estrutura, especialmente em rodovias, eletricidade, saneamento básico, abastecimento de água e telecomunicações... um período, enfim, de grandes obras de engenharia.
Foi o período em que as entidades de classe da Engenharia cresceram e se fortaleceram econômica e politicamente. Tornar-se engenheiro representava garantir-se na vida. Engenheiros tinham poder econômico e social, que resultava em grande influência política.
Nos últimos dois anos da década de 1970, com o fim daquilo que era chamado de "Milagre Brasileiro", uma crise sem precedentes atingiu o país, com consequências particularmente severas para a Engenharia. Entramos no que se convencionou chamar de "A década Perdida". Engenheiros foram do paraíso ao inferno de uma hora pra outra (nenhuma outra categoria profissional sentiu tanto os efeitos da crise). Acabaram-se os investimentos em obras de infra estrutura; houve o fechamento (desativação) dos grandes escritórios de projetos e consultoria; não havia uma Política Nacional de Desenvolvimento e, como resultado, o engenheiro Virou Suco.
No início dos anos 90 a crise já não estava tão severa, mas outros fatores contribuíram para amarrar o processo de renascimento da Engenharia como profissão interessante: entraram em cena os programas de computador (CAD), a Internet e o telefone celular. Três novas tecnologias que obrigavam os profissionais a rever seus métodos de produção e relacionamento com o mercado.
O Marketing, ferramenta indispensável para enfrentar aqueles tempos difíceis ainda era uma prática renegada pelos profissionais e pelas entidades de classe. Iniciou-se um processo de aumento (alguns chamam de proliferação) no número de Escolas de Engenharia e, na virada do século havia um renascimento da Engenharia Brasileira, porém, num mundo completamente desconhecido. Poucas obras, poucos clientes e um número crescente de profissionais novos no mercado. E todo mundo sem experiência mercadológica, pois não haviam referências. Os mais antigos não sabiam lidar com um mundo muito novo e os mais novos não tinham experiência necessária para fazer frente às dificuldades que apareciam.
Resumo da ópera: tivemos uns 25 anos de vacas magras. Vacas muito magras!
Este período não pode ser esquecido. Essa experiência precisa ser analisada para que não se cometa os mesmos erros do passado: por parte dos profissionais, a alienação política, a arrogância com o mercado e o descuido com a qualidade do serviço; por parte das escolas com uma postura encastelada que se isolou do mercado de trabalho e tornou o curso de engenharia completamente desinteressante para os jovens estudantes; por parte dos conselhos e entidades profissionais, porque não tiveram a preocupação de integrar os profissionais às emergentes questões da sociedade.
O Brasil ficou sem engenheiros porque os jovens não são tolos. Quem é que quer fazer um dos cursos mais difíceis da universidade para depois enfrentar um mercado que não dá respostas satisfatórias à esse investimento pessoal? (os cursos de Medicina, Odontologia e Direito por exemplo, estão entre os que menos reprovam alunos nas universidades federais)
Hoje eu vejo dirigentes da Engenharia abordando essa questão da falta de engenheiros no Brasil apenas como uma grande oportunidade. Eu vejo a coisa com um pouco mais de cuidado. Não quero que essa nova geração de engenheiros pratique uma Engenharia insustentável. Uma Engenharia que apenas explora o mercado disponível.
É nossa responsabilidade não apenas explorar mas também (e principalmente) desenvolver o mercado. prepará-lo para a estabilidade, que virá, não tenham dúvidas.
Temos de agir de forma estratégica para tirar o máximo proveito possível dessa circunstância positiva de mercado, que deverá durar ainda alguns anos, mas sem descuidar do futuro. Sem descuidar do mercado de trabalho que deixaremos de herança para os engenheiros que hoje ainda estão nos berçários por este Brasil a fora.
PADILHA, Ênio. 2008
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