MAIS ENGENHEIROS, POR FAVOR!

(Publicado em 20/01/2007)



Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. este artigo foi publicado em 18/01/2007, em O Estado de São Paulo, p.2.



A manchete País enfrenta escassez de engenheiros veio na primeira página do Valor Econômico de ontem, encimando reportagem concentrada na demanda de engenheiros civis. A notícia é má, mas tem também seu lado bom.

Bom porque sabemos que a demanda desses e de outros engenheiros varia positivamente com a chamada taxa de investimentos em capital fixo da economia, medida como proporção do produto interno bruto (PIB), pois os engenheiros estão diretamente envolvidos com as construções, instalações, máquinas e tecnologias envolvidas nesses investimentos. Por sua vez, eles ampliam a economia na sua capacidade de produzir mais bens e serviços, ao mesmo tempo que geram rendimentos que aumentam a demanda pela produção assim ampliada. Esses movimentos contribuem para o crescimento do PIB. Portanto, a maior demanda de engenheiros sinaliza um aumento da taxa de investimentos, o que é bom para a economia, aumento esse confirmado por dados dessa mesma taxa e do setor de construção, ainda que longe dos valores necessários para um crescimento econômico bem mais rápido que o atual.

O lado ruim está em que o Brasil descuidou da formação de engenheiros. Estatísticas educacionais mostram que de um modo geral a procura por cursos de Engenharia diminuiu relativamente às vagas disponíveis e, na civil, o número de formados caiu em várias escolas. A reportagem mostra que em 1999 a Escola Politécnica da USP formou 146 engenheiros civis, número que, segundo o dado mais recente citado pela matéria, presumivelmente de 2006, caiu para 90. Houve ampliação dos cursos mais ligados à evolução da tecnologia moderna, como na eletrônica, mas o quadro geral é que a Engenharia caiu na preferência dos estudantes, com a oferta sendo contida pelas instituições de ensino.

Em contrapartida, houve excessiva ampliação dos cursos de Direito e de Administração. Para afunilar a oferta de advogados veio o exame da OAB e, mais recentemente, a notícia de que a Ordem instituiu também um selo de qualidade, recomendando seletivamente umas poucas escolas. Já os cursos de Administração, além de igualmente marcados por grande variância de qualidade, em geral pecam pelo academicismo, pois são ministrados por professores que acumulam títulos acadêmicos, mas não a indispensável experiência como executivos, consultores e estrategistas de organizações onde seus alunos enfrentarão o mundo real.

Os cursos de Engenharia são também mais caros, pois não podem prescindir de máquinas, equipamentos e laboratórios, indispensáveis ao ensino nessa área. Do lado dos estudantes, a dificuldade de encontrar ocupações como engenheiros, em particular os civis, equivocadamente desviou muitos estudantes desses cursos, em larga medida por desinformação quanto à maneira como a carreira dos engenheiros se desenvolve no mercado de trabalho.

Nele, eles não se ocupam apenas como engenheiros, pois recrutadores de pessoal apreciam sua formação educacional, em geral realizada em cursos mais exigentes, em termos de dedicação aos estudos, do que a média dos demais cursos de onde são recrutados os profissionais para as várias ocupações dentro das empresas.

Relativamente a essa média, os egressos dos cursos de Engenharia, submetidos a um currículo com forte conteúdo lógico-matemático e voltado para resolver problemas, são também mais bem preparados no sentido do 'aprender a aprender', que constitui a essência da educação. Assim, de um modo geral os engenheiros são bem qualificados para trabalhar no dia-a-dia do mundo empresarial, em muitas das ocupações que oferece.

A dificuldade deles está em transitar da área técnica para questões administrativas e de negócios, nas quais o relacionamento humano e a necessidade de empreender são mais intensos. Mas muitos superam isso pela sua capacidade de aprender, inclusive buscando essas competências em cursos complementares, como os de pós-graduação em Administração.

Assim, os engenheiros começam a trabalhar nas áreas típicas de sua profissão ou mesmo fora delas e, à medida que demonstram grande capacidade de dominar conhecimentos de outras áreas e de resolver problemas, sobem na hierarquia das empresas, sendo muito comum encontrá-los nos seus vários postos de comando. No processo, outros se tornam empreendedores, ao identificarem necessidades e saberem como atendê-las em seus aspectos técnicos e empresariais.

Dado esse quadro, sobram tarefas para muita gente. Pais e outros que orientam os jovens sobre escolha de carreiras precisam transmitir-lhes esse alcance mais amplo da profissão de engenheiro, enquanto capaz de bem exercer ocupações que transcendem as típicas de sua área.

Enquanto o País não acelerar efetivamente o seu crescimento, essas ocupações atípicas crescerão de importância, mas o próprio exercício delas demonstra que a formação educacional recebida pelos engenheiros deveria, nos seus fundamentos, ser estendida a outras áreas em que, na linguagem deles, o aprendizado fica apenas na superfície.

Conhecendo essa dinâmica ocupacional do mercado de trabalho, as escolas de Engenharia precisam reforçar a formação dos seus alunos com disciplinas ligadas ao mundo das empresas e do empreendedorismo.

Por sua vez, fariam bem as autoridades educacionais se percebessem que estamos a formar poucos engenheiros e, mesmo que os tenhamos 'em excesso', eles encontrarão o que bem fazer, dada a qualidade da educação que usualmente recebem.

Nem se pode dizer que mais cedo ou mais tarde vamos precisar deles também como tais, pois os equívocos do passado, que incluem os de todos esses atores, já se mostram nessa escassez apontada pela reportagem inicialmente citada.



Roberto Macedo
Economista (USP)





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