DO ARTESÃO AO STAKEHOLDER
Quinhentos anos de história nas relações de mercado

(Publicado em 25/05/2015)



Antes do século XV toda a produção de bens de consumo era artesanal. Qualquer coisa que se quisesse obter, fosse um tecido, um móvel, um artefato de cozinha ou uma ferramenta, teria de ser produzida inteiramente por uma única pessoa. As relações de mercado eram individuais. Um a um. Cada comprador/consumidor negociava diretamente com o fornecedor/fabricante.

A MANUFATURA
No fim da idade média por volta de 1500 o artesanato foi substituído pela manufatura, o processo no qual o trabalho de produzir alguma coisa é dividido entre várias pessoas. Foi um grande avanço na forma de produção e organização do trabalho e também permitiu que um número maior de pessoas pudesse ter acesso aos bens de consumo, antes acessíveis apenas aos nobres e senhores feudais. O comprador negociava com o fornecedor, que, no caso, era o pessoa que reunia, organizava e comandava os fabricantes. A produção aumentou, mas havia uma demanda pelos produtos que era, ainda, muito maior do que a oferta possível, o que mantinha os preços altos e a posse desses bens de consumo um privilégio das famílias mais abastadas.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A "MAQUINOFATURA"
A Revolução Industrial, que começou na segunda metade do século XVIII levou a manufatura ao estado de "maquinofatura". Os produtos deixaram de ser fabricados por um conjunto de operários e passaram a ser feitos por maquinas operadas por empregados treinados. A Revolução Industrial permitiu que praticamente toda a população tivesse acesso aos produtos manufaturados, reduzindo as pressões de demanda e equilibrando a balança entre a oferta e a procura pelos bens de consumo.

Com desenvolvimento cada vez maior dos processos de fabricação era de se esperar que logo a oferta de produtos superasse a procura, promovendo a valorização do profissional de vendas.

A ASCENSÃO DOS VENDEDORES
Os vendedores sempre existiram. Mas nunca tiveram um valor tão alto no mercado quanto no período compreendido entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Foram praticamente cem anos de domínio dos vendedores na cena empresarial. Eles eram os profissionais mais bem pagos das empresas. Tinham poder e influência. Os industriais dependiam dos bons vendedores para o sucesso de suas empresas. É dessa época o surgimento de autores clássicos como Frank Betger e Dale Carnegie. Referências icônicas para vendedores até os dias de hoje.

Os vendedores eram a perfeita interface entre as empresas e o mercado consumidor. Vivia-se a era do produto, no sentido de que a atenção da empresa era totalmente voltada para o produto. Pode parecer estranho olhando com os olhos do século XXI, mas, naquela época, a opinião do cliente pouco importava. O que valia mesmo era a decisão de quem fabricava o produto. Lembre-se da frase atribuída a Henry Ford, sobre o Modelo T: “O cliente pode comprar um carro da cor que ele quiser, desde que seja preto”. Era bem por aí mesmo.

Enquanto os vendedores ainda desfrutavam do seu domínio da cena empresarial, na primeira metade do século XX, o marketing engatinhava, como uma curiosidade acadêmica, estudada e desenvolvida nas universidades e nos institutos de pesquisa. Mas aquela que seria a grande revolução no universo empresarial do século XX ainda permaneceria em estado de gestação por longos 50 anos.

O MARKETING GANHA O MUNDO. O IMPÉRIO DO CLIENTE.
Por volta de 1950 o marketing passou a ter praticantes nas empresas. E um dos principais objetivos do marketing, como sabe quem leu qualquer um dos livros de Philip Kotler, é justamente "eliminar a necessidade do vendedor". A regra de ouro do marketing é justamente fazer com que o seu produto deixe de ser vendido e passe a ser comprado. Há uma sutil, porém dramática diferença entre essas duas coisas.

A principal mudança proposta pelo marketing foi justamente a atenção ao cliente e suas necessidades, desejos e anseios. O cliente e suas vontades foram trazidos para o centro da arena. Foi nesse período que se cristalizaram afirmações do tipo "o cliente sempre tem razão", "o cliente é o rei" e coisas do gênero. Durante aquele período, muitos empresários acreditavam mesmo que o objetivo número um de qualquer empresa deveria ser a satisfação dos clientes.

Mas isso também iria mudar.

A VISÃO AMPLIADA DO MERCADO. OS STAKEHOLDERS.
No início da década de 1980, Robert Edward Freeman lançou seu livro Strategic Management: A Stakeholder Approach, apresentando a Teoria dos Stakeholders, que ele já desenvolvia em pesquisas e artigos desde a década de 1960.

Segundo essa teoria, o sucesso de uma empresa depende de como ela administra a relação com todos os seus stakeholders (indivíduos ou grupos de indivíduos que tenham, em relação a empresa, níveis relevantes de propriedade, poder, controle ou influência). Seriam stakeholders típicos de uma empresa:
• Os proprietários
• Os acionistas
• Os investidores
• Os empregados
• Os amigos
• Os fornecedores
• Os concorrentes
• Os sindicatos
• As associações empresariais
• A comunidade, os vizinhos
• Os grupos normativos
• O governo municipal
• O governo estadual
• O governo federal
• As ONGs.

Se, na década de 1970 uma empresa era considerada boa, forte e lucrativa quando conseguia produzir coisas que satisfizessem seus clientes, hoje isso não é mais suficiente. De nada adianta produzir a melhor calça jeans do mercado se, no processo de fabricação a empresa poluir o rio que passa no fundo da fábrica.

De nada adianta produzir equipamentos eletrônicos da mais alta qualidade se a empresa utiliza mão de obra infantil. Ou sonega impostos. Ou mantém seus empregados em regime de trabalho escravo.

Não adianta ter um produto que dê total satisfação para os clientes se a empresa não dá lucro. Não remunera os investidores nem traz benefícios aos seus proprietários.

A TEORIA DOS STAKEHOLDERS E O MARKETING.
A teoria dos Stakeholders teve também consequências sobre o Marketing das empresas.
Desde 1952, quando Jerome McCarthy lançou seu livro Basic Marketing. A Managerial Approach a AMA - American Marketing Association adotou a definição de marketing como "o processo de planejar e executar a concepção, o preço, a promoção e distribuição de ideias, bens e produtos para criar trocas que satisfaçam os objetivos de indivíduos e organizações". Essa definição, como se pode ver, é centrada no produto e no cliente (e mantém a relação da empresa com o mercado dependente da relação com o cliente).

Mas, em 2008, depois de perceber que essa definição se esvaziava, em função da teoria dos stakeholders, a AMA promoveu uma revisão e adotou a seguinte definição para o marketing:

"Marketing é a atividade, conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, distribuir e efetuar a troca de ofertas que tenham valor para consumidores, clientes, parceiros e a sociedade como um todo."

Observe que, nesta definição atualizada, os stakeholders estão perfeitamente contemplados. E o marketing ganha uma sobrevida.

São quinhentos anos de história do mercado, desde o início da manufatura até os dias de hoje. O que virá depois?





PADILHA, Ênio. 2015





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