COMO ME TORNEI UM ESCRITOR

(Publicado em 26/02/2020)



Tudo começou em 1974. Eu tinha 15 anos e trabalhava, finalmente, num escritório (neste artigo AQUI eu conto como foi que chegamos a isso, depois de três anos trabalhando em madeireira, fundição de ferro, posto de gasolina, fábrica de bala, marcenaria e como servente de carpinteiro... ).

Eu trabalhava na ORCOJUN — Organizações Coelho Júnior de Empreendimentos Sociais Ltda, um nome pomposo para um pequeno escritório comandado pelo Sr. Coelho, que fazia os trabalhos de detetive particular, agência de empregos e publicação de um almanaque semanal com notícias populares e propaganda de todo tipo.

Pois foi nesse jornalzinho que eu vi, pela primeira vez, uma coisa que eu tinha escrito sendo publicada e lida por milhares de pessoas. Foi uma sensação indescritível.





ALGUNS ANOS DEPOIS, já morando em Florianópolis, eu fazia parte da equipe de Atletismo da FME e era o responsável por redigir os boletins com os registros da participação dos atletas nas competições.

Toda segunda-feira, cedinho, o José Maria Nunes levava para seus amigos jornalistas o boletim com o relato do que havia ocorrido nas competições das quais a equipe havia participado. Normalmente esse material era publicado na terça-feira. E eu ficava muito orgulhoso quando percebia que, mesmo em jornais grandes, era publicado exatamente o que eu havia escrito. Muitos editores não faziam correções nem mudavam as palavras dos press releases que a gente produzia.

Até que um dia, no início de 1979, um desses jornalistas, o Aldírio Simões, perguntou para o Nunes "Quem é que escreve esse material que você traz pra gente aqui no jornal?"
O Nunes respondeu "É um rapaz que treina que a gente, lá no atletismo, o Padilha". Aldírio então disse "Manda ele aqui, falar comigo. Vamos arrumar um trabalho pra ele, já que ele escreve bem."

No dia seguinte eu já estava trabalhando na redação do Diário Catarinense, um jornal dos Diários Associados que funcionava no Bairro Saco dos Limões.

Meu primeiro trabalho era como redator. Eu escrevia as matérias à partir das informações colhidas pelos repórteres na rua.

Algumas semanas depois o Aldírio já me colocou na rua para fazer entrevistas e produzir as minhas próprias reportagens. Foi uma experiência fantástica. Entrevistei pessoas importantes, como, por exemplo, o então secretário dos transportes, Esperidião Amin, que havia sido prefeito da cidade e que viria a ser governador do estado.

Fiz reportagens especiais sobre atletismo, natação e até mesmo sobre acupuntura na odontologia (ainda vou publicar aqui o link para esses trabalhos).

Trabalhei nos Diários Associados até janeiro de 1980. Eu passei no vestibular para Engenharia Elétrica na UFSC e me dei conta de que não seria possível conciliar a faculdade, o atletismo e uma atividade tão intensa e de tempo quase integral como era o trabalho de reporter e redator. Mas foi um trabalho do qual eu me orgulho muito até hoje.

NO PRIMEIRO SEMESTRE do curso de Engenharia Elétrica da UFSC (1980) aconteceram duas coisas interessantes: (1) eu conheci um grande amigo (para a vida toda) o Mauro Faccioni Filho, calouro, como eu, mas muito ligado em cultura em geral e, particularmente, literatura e (2) havia uma disciplina, na primeira fase do curso que era Português Instrumental e a professora dessa matéria era a querida Regina Carvalho, um amor de pessoa, lia praticamente um livro por dia e era um poço de conhecimentos.

Somando (1) + (2) e eu já estava no movimento literário da UFSC, conhecia pessoalmente quase todos os autores consagrados de Santa Catarina e estava inscrito no Concurso Literário daquele ano na Universidade.

Em novembro saiu o resultado: 1º lugar na categoria Crônicas. Pensa num guri feliz! Contei pra meio mundo. E ainda tinha um diploma e um prêmio em dinheiro.

Usei o dinheiro para comprar os materiais de desenho que eu ainda não tinha e... uma bola de basquete.

Essas coisas me deram muita autoconfiança e eu passei a escrever com muito mais frequência. E também foi a época que eu lia toda literatura clássica que eu podia, de Maquiavel a Gilberto Freire, de Jorge Amado a Baudelaire (aliás, teve um tempo sombrio que eu me afundei em Augusto dos Anjos, Cruz e Souza e outros simbolistas. Felizmente, passou. Sobrevivi).

Lia todos os cronistas brasileiros conhecidos, de Machado de Assis a Luis Fernando Veríssimo, passando por Rachel de Queiroz, Fernando Sabino e Rubem Braga. Cheguei a ser colunista num caderno dominical do Jornal O Estado (publicando crônicas infantojuvenis); integrei o Grupo Literário Flor de Lis com o Ricardo Sandri e o Wesley de Abreu. Distribuíamos nossa literatura em brochuras (impressas em mimeógrafos) pelas ruas de Florianópolis. A juventude é um presente de Deus...

... Mas veio o tempo negro e a força fez comigo o mal que a força sempre faz...(*) e eu parei de escrever literatura. Isso foi na mesma época que eu deixei o Atletismo. Não tinha mais tempo. A faculdade de Engenharia estava me consumindo e eu tinha de ganhar o pão de cada dia. O escritor que havia dentro de mim dormiu por alguns anos.

Mas o autor de não ficção já mostrava seus dedinhos em alguns trabalhos da faculdade que acabaram se tornando parte do meu acervo, como o texto sobre a DINÂMICA DO FUNCIONAMENTO DO DIODO, um importante trabalho feito para o professor Leon Schmiegelow (Eletrônica) e depois o meu a RELATÓRIO DE ESTÁGIO, que era praticamente um mini livro sobre como funcionava a organização do Laboratório de Eletrônica da empresa na qual fiz estágio.

MENOS DE UM ANO depois de formado, já com o meu escritório de Engenharia em pleno funcionamento em Rio do Sul (interior de Santa Catarina) publiquei o primeiro artigo. Na verdade, não foi bem uma publicação. Eu escrevi, fiz algumas cópias (xerox) e mostrei para muitas pessoas. Mas, no fim das contas, o artigo não chegou a ser publicado. Entenda por que ENGENHEIROS E ENGENHEIROS não podia ser publicado.

RETOMEI O GOSTO POR ESCREVER mas tinha outras coisas mais importantes para fazer. Tinha uma atividade profissional para sustentar e uma família para construir. Mas, de vez em quando eu escrevia alguma coisa que parecia muito boa. Então eu fazia uma cópia, colocava num envelope e enviava para o editor do A NOTÍCIA, um importante jornal que circulava (impresso) em todo o Estado de Santa Catarina. Na maioria das vezes o artigo era publicado alguns dias depois, numa página nobre, com outros 2 artigos selecionados de autores que eram, muitas vezes, bem conhecidos do público leitor. Eu ficava todo orgulhoso. Ser publicado no jornal me deixava muito feliz.

Um dos leitores dos meus artigos publicados em A NOTÍCIA era o jornalista Maurílio de Andrade. Ele era o editor do jornal Correio do Povo o mais importante semanário da região de Jaraguá do Sul, a cidade onde nós moramos entre 1992 e 1999. Então, em janeiro de 1997 ele me convidou para um café, conversamos sobre muitos assuntos, como fazíamos sempre e, no fim da conversa ele perguntou se eu não toparia escrever uma coluna no jornal, sobre temas gerais, no mesmo estilo dos artigos publicados em A Notícia.

Topei na hora. Eu tinha alguns artigos prontos que nunca haviam sido publicados. Outros no rascunho. Não seria problema sustentar um texto por semana no jornal. E assim, já na semana seguinte era publicada a primeira coluna, com o artigo LER E ESCREVER, que havia sido feito dez anos antes, mas que nunca tinha sido publicado.

Nas primeiras 8 ou 10 semanas eu publiquei textos que já estavam prontos ou finalizei artigos que já estavam sendo elaborados havia muito tempo. Mas, finalmente, chegou a semana em que eu percebi que não havia nada mais para publicar. Tudo o que eu havia escrito até ali ou já tinha sido publicado no jornal ou não poderia mais ser publicado por não ser apropriado ou por ser datado (ou seja, só eram interessantes no tempo em que foram escritos).

Foi um drama, pois tive muita dificuldade para encontrar um tema e produzir um texto até a data limite do fechamento do jornal. Cumpri minha tarefa aos 45 do segundo tempo, já entrando na prorrogação.

Nas semanas seguintes a dificuldade continuou, mas, aos poucos fui me ajustando e me acostumando, até que, alguns meses depois eu já tinha me tornado bom naquilo. Escrever um artigo por semana não era mais um drama. Era algo que eu conseguia fazer com tranquilidade.

E ainda havia semanas excepcionais em que o artigo ficava muito bom e era comentado por muita gente na cidade. Pessoas ligavam no meu escritório (Trifase Engenharia) para comentar o artigo. O jornal recebia cartas de leitores. Havia elogios, mas também algumas críticas ou comentários de quem não tinha entendido direito a intenção do texto. Algumas vezes o editor me pedia para publicar uma explicação mas eu sempre me recusava. Se o leitor não havia entendido de primeira era porque o texto era ruim. Simples assim. Paciência.

ESCREVER COM FREQUÊNCIA tornou muito mais fácil pra mim o trabalho de fazer o TCC na Especialização em Marketing Empresarial.

A escolha do tema parecia óbvia: Marketing para Prestadores de Serviços. Imaginei um texto de umas 150 páginas, divididas em capítulos que seguiriam, mais ou menos, os mesmos temas das disciplinas do curso. Eu tinha o assunto, tinha o conteúdo, havia feito algumas pesquisas durante o curso e tinha a minha experiência de 11 anos de gestão do escritório. E sabia escrever. Não haveria de ser difícil.

Quer saber? Não foi mesmo. Comecei a escrever o TCC durante as férias, em Balneário Camboriú (na época a gente ainda morava em Jaraguá do Sul), nas primeiras horas da manhã. Eu acordava bem cedo, por volta de 5 horas (Veja aqui, no vídeo O PROCESSO DE PRODUÇÃO DE UM LIVRO - no minuto 5:34, como isso funciona) e, enquanto a casa ainda estava no mais completo silêncio eu escrevia freneticamente. Escrevia à mão (lapiseira 0,7 em papel almaço pautado), depois isso seria digitado no computador. Escrevia umas 10 ou 12 páginas antes que a turminha acordasse e chegasse a hora do café. Daí pra frente eu ia curtir as férias com as meninas e só retomava o trabalho na madrugada do dia seguinte.

Naturalmente, o TCC não ficou pronto durante as férias. Continuou nas semanas seguintes e só foi concluído no final de fevereiro. Mas ficou muito bom. Entreguei o texto finalizado na instituição de ensino e a professora responsável pela avaliação gostou muito. Deu uma nota 10 (seria com estrelinhas, se ainda estivéssemos no primário, mas...). Enfim, os elogios da professora e de alguns colegas que leram o trabalho me deixaram muito empolgado e eu saí mostrando pra meio mundo.

Muita gente leu. E o texto acabou nas mãos do engenheiro Luiz Roberto Nunes Glavan que era presidente do Crea-SC. Ele me chamou pra uma conversa e perguntou se eu não queria transformar aquilo num livro sobre Marketing para Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Eu disse que sim, naturalmente, e então ele levou (e defendeu) a proposta aos conselheiros.
O projeto foi aprovado, eu retomei o trabalho para fazer ajustes no texto e nos exemplos utilizados. E assim, no dia 26 de setembro de 1998, veio à luz a primeira edição do livro MARKETING PARA ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA.

Aquele dia certamente mudou a minha vida e a minha carreira. O livro foi um divisor de águas. Obteve uma receptividade que eu nunca poderia ter esperado. Aquela primeira edição esgotou-se em menos de um ano e, nesse tempo eu já havia escrito e publicado um segundo livro (MARKETING PESSOAL E IMAGEM PÚBLICA) e a coisa já estava evoluindo num ritmo bem diferente.

Daí pra frente já é outra história. E eu havia me tornado um escritor.





PADILHA, Ênio. 2020





(*) Trecho da música Galos, Noites e Quintais de Belchior





Leia também: SOBREVIVI AO TRABALHO INFANTIL. MAS NÃO FOI LEGAL.
COMECEI A TRABALHAR COM 11 ANOS. Não recomendo. Não acho que isso tenha ajudado, de nenhuma maneira na minha formação. Tenho certeza de que aquilo não fez de mim uma pessoa melhor, nem mais honesta ou menos complicada.
Mas aconteceu comigo, como acontecia com quase todos os meninos da minha idade (e classe social, evidentemente). No bairro pobre onde eu morava (bairro Canta Galo, em Rio do Sul, SC) quase todos garotos de 11 ou 12 anos largavam a escola e iam trabalhar em alguma coisa pra ajudar em casa.






Comentário #1 — 26/02/2020 12:10

Jean Tosetto — Arquiteto / Escritor — Paulínia / SP

Poder viver de escrever é um privilégio de poucos, pois são poucos aqueles que aceitam conviver com a solidão de um escritor que acorda de madrugada para produzir antes do sol nascer.
Parabéns pela trajetória!

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Obrigado, amigo Jean.
Embora eu ganhe algum (um bom) dinheiro com os meus livros, ainda não posso dizer que vivo disso. A renda das palestras, cursos e consultorias ainda é muito relevante.

Comentário #2 — 26/02/2020 18:57

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