A ETERNA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA

(Publicado em 06/07/2022)



"... a imensa maioria dessa elite imperial era dona de escravos ou beneficiária de escravidão. E não é por acaso que, quando pressionados pelas mudanças do século XIX, pelo movimento abolicionista, que começa logo depois da guerra do Paraguai, 1870, quando o trono brasileiro se vê pressionado e faz a Lei do Ventre Livre, a Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea, os fazendeiros se sentiram traídos. E migraram para a campanha republicana. É como se o edifício desabasse. O pacto se rompe. E aí acontece a república.

E o mais interessante é que essa mesma aristocracia rural continuou mandando na república pelo menos até a Revolução de 1930, a chamada República do Café com Leite.

Isso me surpreende muito: como é que essas oligarquias regionais e agrárias conseguem se adaptar às mudanças. Se adaptaram ao rompimento com Portugal, venceram os conflitos da regência, se adaptaram à República, se adaptaram às múltiplas ditaduras, se adaptaram a um sociólogo na presidência, a um retirante nordestino sindicalista, à primeira mulher… e continuam aí, mandando.

É como se fosse uma bolha assassina. Eles se adaptam. Eles deglutem, processam, mastigam e devolvem, na forma de manutenção do status quo, todas as revoluções que o Brasil um dia sonhou ter."





O que foi lido acima foi transcrito (é um trecho) da entrevista do jornalista e autor Laurentino Gomes ao Podcast AO PONTO, do jornal O Globo (28/JUN/2022) e meio que resume o espírito do terceiro livro da trilogia ESCRAVIDÃO, lançado pela editora Globo há algumas semanas.

Os livros da trilogia já foram definidos (por uma desconhecida leitora, citada pelo autor) como BOM DE LER MAS DIFÍCIL DE ENGOLIR. Nada poderia ser mais apropriado.
É preciso conhecer os detalhes e entender o que foi a escravidão no Brasil. Mas... que exercício doloroso!

O que diferencia a escravidão brasileira da escravidão que sempre existiu na história da humanidade é, primeiro, o fato de ter acontecido em ESCALA INDUSTRIAL (como modelo de negócio e de construção do país) e, segundo, o surgimento do RACISMO. Antes, a cor da pele não caracterizava o indivíduo como alguém de uma raça inferior. Isso é um subproduto da escravidão africana nas américas.

Quem quer que se debruce sobre o tema das desigualdades no Brasil precisa entender a escravidão e suas consequências. Entender como o Brasil BRANCO E NOBRE fez da escravidão um meio de vida e dos negros escravos meros itens do patrimônio das famílias. Entender como a economia e os governos se estruturavam em torno do trabalho escravo e como as soluções eram sistematicamente varridas para debaixo do tapete e adiadas ad infinitum sem nenhum constrangimento ou vergonha.

Os livros desta trilogia são essenciais para essa tarefa, mas este último é o mais importante deles, porque mostra o processo que construiu a identidade coletiva da ELITE BRASILEIRA, não sem justiça chamada de A ELITE DO ATRASO pelo sociólogo brasileiro Jessé Souza.

Mais do que atrasada, a elite brasileira é vergonhosa em si, com total ausência de empatia, de generosidade ou da capacidade de enxergar além do seu próprio umbigo.

E o livro consegue descortinar isso de forma cristalina.
É ótimo de ler... mas doloroso de engolir.





PADILHA, Ênio. 2022





Leia também: O QUE PODEMOS APRENDER COM A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO?
Resenha do primeiro livro da trilogia, Publicado em 04/09/2019, algumas semanas após o lançamento do livro.
Conhecer a história é fundamental. Entender o que aconteceu e por que aconteceu é crucial, especialmente em questões como a escravidão, que produziu tantas consequências para a sociedade brasileira. Porém, por mais tocante que sejam as memórias (e as cicatrizes ainda vivas). É preciso lucidez para fazer desse passado um futuro melhor.



O SÉCULO XIX NO BRASIL
Um artigo falando sobre a trilogia 1808, 1822 e 1889 (de Laurentino Gomes) que conta a história do Século XIX no Brasil.
O Brasileiro, como se sabe, desconhece sua própria história. E, nao por acaso, vive repetindo antigos erros. Acreditando em velhas mentiras.
Laurentino Gomes tem realizado um belíssimo trabalho no sentido de reduzir esse flagelo.



Comentário #1 — 07/07/2022 14:06

Alberto Costa — Consultor empresarial — Florianópolis

Um diagnóstico preciso é sempre útil no tratamento de nossas disfunções físicas, psicológicas e espirituais, que estão na base de nossas disfunções econômicas, sociais e políticas.

Não sei se é percepção sua ou do Laurentino: há uma especificidade de discriminação que é novidade própria das Américas - o preconceito de cor (que também alcança as ilhas britânicas, mais do que o continente europeu).

Ao mesmo tempo, nenhuma sociedade na história humana escapou de estruturar-se de tal forma que uma elite altamente plástica é capaz de sobreviver por adaptação a todo tipo de governante, pelo menos enquanto não há um colapso total de seu processo civilizatório.

Por outro lado, é preciso observar, no caso do Brasil, que as diferenças ideológicas facilmente identificáveis no debate político público no Brasil são bastante superficiais. A rigor, todos os lados aparentemente contraditórios e rivais comungam de uma crença básica: a do Estado como motor econômico e "pai" (ou padrinho) da sociedade - Colônia, Império, República Velha, Estado Novo, governos de exceção e Nova República, todos foram defendidos ou combatidos sem que fosse questionada, seriamente, a premissa de que a sociedade depende do Estado e de que este tem direitos e deveres paternais em relação aos cidadãos...

É por isso que é fácil àquelas elites adaptarem-se: nunca muda aquilo que mais lhes interessa - o papel centralizador e paternalista do Estado, do qual se servem, independentemente de ser Getúlio, Juscelino, Geisel, FHC, Lula ou Bolsonaro... Todos eles recitam o mesmo credo a respeito da relação entre Estado e sociedade, sem tirar e nem pôr... Muda, aqui e ali, a integridade pessoal, a inteligência política, as fontes de apoio... Mas, sobre o papel do Estado, concordam a FIESP e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo... Embora tenham interesses distintos a serem apadrinhados por esse Estado...

RÉPLICA DE ÊNIO PADILHA

Perfeito, meu amigo Alberto Costa. Certeiro, como sempre.

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