OS TRENS DA VÓ

(Publicado em 27/01/2023)



Mais uma pras minhas Notas Autobiográficas

Dos quatro avós possíveis, não cheguei a conhecer três deles.
O pai e a mãe do meu pais (vô Argemiro e vó Maria Luiza) bem como o pai da minha mãe (vô Sebastião) infelizmente já haviam morrido quando eu nasci.

Mas restava a vó Dalva, mãe da minha Mãe, que a gente conheceu muito e tivemos o privilégio de conviver por muitos anos. Vó Dalva se foi quando eu já tinha mais de 30 anos. Então deu pra aproveitar muito o carinho e o amor que ela tinha por nós todos (os netos)

(eu lembro perfeitamente dessa história do trem. Vocês não imaginam o nível da ansiedade e curiosidade daqueles guris de 5, 6 anos com aquela expectativa)

Enfim... divirtam-se! (e deixem seus comentários, no final)





Imagem: gratispng.com



Olá prezadíssimo irmão.

Lembra disso ?
 
Trem: 1. Conjunto de móveis de uma casa; 2. Série de vagões puxados por uma locomotiva. 3. Comitiva. 4. Utensílios de uma cozinha. 5. Sujeito inútil, etc...(bem grande por sinal)

Nossa avó, nascida no planalto serrano catarinense,  estava certa.

Por volta do Século XVII, muitas foram as expedições bandeirantes vindas de São Paulo e Minas Gerais para a região serrana do nosso Estado. A título de ilustração, diga-se que Lages, foi fundada pelo bandeirante Correia Pinto. Estas expedições trouxeram não só o progresso à região sul, mas também seus costumes e o linguajar.

Em Minas por exemplo, os mineiros têm o costume de se referirem a quase tudo como ”trem”.

É o trem isso, o trem aquilo, que trem bão de mais da conta, e assim vai.

Para nós, no entanto, a despeito de filhos de mãe serrana, porém de  costumes  que pendiam mais para o açoriano devido às origens de nosso pai, a palavra trem significava  simplesmente uma máquina que puxava vagões e só.

Então me lembro, que deveria ser o ano de 1965 e nossa avó que morava num município vizinho, foi passar uns dias conosco. Ela e naturalmente o vô Alvito, nosso avô torto*.  O vô Alvito um homem calmo, de fala mansa, uma pessoa pacata. Nossa avó, uma senhora "espirituosa", meio agitada e sem parada.

Era comum visitarmos a casa da vó duas a três vezes por ano, e sempre em lugares diferentes. Nossa avó era uma pessoa bem relacionada, conhecia deus e o mundo, por isso a facilidade em morar aqui e acolá, dependendo das oportunidades que lhe apareciam para melhorar a vida.

Naquela ocasião, como já disse, em visita a nossa casa por uns dias, quero crer que tenha estabelecido um de seus contatos, e havia a possibilidade de vir morar em Rio do Sul.

Recordo que era um final de tarde, e nossa mãe conversava com a vó Dalva que acabara de chegar da rua com a novidade. Eu e meus irmãos, de ouvidos ligados, prestávamos atenção na conversa, já entendendo que a vó viria morar  por perto.

No arrematar da conversação, disse nossa avó para a D. Mathilde: "amanhã mesmo vou mandar buscar meus trens, e vir embora pra cá."

Nós, os guris, (como éramos chamados) não entendemos aquela parte final da fala de nossa avó. Treeem?  A vó tem treeem ? Como assim? Que treem? Como não era permitido interromper a conversa dos mais velhos por motivo nenhum, ficamos com a dúvida, perguntando a nós mesmos sobre o fato.

"Ô Didi... será que a vó tem um trem?"
"Foi o que ela disse! Mais de um até! E amanhã vai mandar buscar!"
"É... E por onde é que eles vêm?"
"Pelos trilhos é claro!"
"É.... Deve ser!"

Embora a estrada de ferro ficasse longe de nossa casa, ficamos ansiosos por ver os trens de nossa avó. Quem sabe nos dessem esta oportunidade. O jeito era  aguardar o dia seguinte para constatar a veracidade do fato. 

O dia seguinte chegou e a vó Dalva saiu cedo para sua lida, e nós na expectativa de confirmar a vinda dos trens.

Porém o dia passou e nada dos trens. No início da noite, voltou D. Dalva, dizendo que ao invés de trazer os trens de onde morava, resolveu vende-los por lá, e que depois compraria outros por aqui.

Para nós, isso definitivamente punha um fim no assunto. A vó Dalva realmente tinha trens mas os vendeu,  por isso nem fomos vê-los. Quem sabe, quando ela comprasse outros teríamos esta oportunidade.

E ficou assim. Por algum tempo, achávamos que nossa avó tivesse tido um trem ou até mais que um. Confesso que cheguei a comentar  o fato   com alguns amiguinhos, os quais, incrédulos, (tanto quanto eu) limitavam-se a se admirar com o assunto.

Quando (muito mais tarde) soubemos que trem significava também utensílios domésticos, entendemos todo o caso, e no mais, por ser nossa avó nascida na serra catarinense o uso do termo era perfeitamente compreensível.

A dona Dalva, tinha trem mesmo! Ficou confirmado.

Grande Ênio, sucesso com o livro, e beijos para as meninas. Agora com cópia dos beijos para a Gabi.





CARLOS ALBERTO PADILHA, 03/SET/2002



(*- Avô torto: diz-se, popularmente,  daquele que é casado com a avó de sangue; legítimo mas que não é parente.





Leia também: COPAS DO MUNDO
Primeiro artigo da série, com as memórias das copas do mundo, até 2002



O VELHO REX
(...) todo cachorro quando está comendo ainda que seja velho e louco, não admite interferência. O cão me advertiu rosnando seriamente...



NOSSA PRIMEIRA COMUNHÃO
(...) compromisso é compromisso e o ensaio geral era muito importante. De modo que não havia jeito,  teria que ir assim mesmo. Até a Igreja foi tudo bem, afinal "moleques"  na rua andam de qualquer maneira. Mas na Igreja não!



O CASO DO BALANCINHO
(...) De súbito minha mãe me pediu silêncio e, num gesto como de espreita  dona Mathilde ergueu a cabeça concentrando-se para ouvir melhor algo que por certo lhe parecia estranho. E era!



O CAFEZINHO DO PAI
(...) Não havendo como conservar o café quente, o jeito era esquentar (requentar) cada vez que o quisesse. Assim, levava-se o bule com café ao fogo, esquentando-o com cuidado para que não fervesse



O CAFEZINHO DO PAI (2)
(...) Todos sabemos que não se deve usar os próprios dedos como termômetro (muito menos para saber se um café está quente ou não). Mas será que o nosso irmão Edson sabia?



O DIDI PESCADOR - DOMINGO É DIA DE PIQUENIQUE
(...) Sem muita demora, vi quando o Didi alçou o anzol da água, e preso nele um peixe desdobrava-se fisgado ao engodo. E logo em seguida, mais uns três ou quatro. Quanto a mim, continuava sapateiro



A VELHA CASA DA VOLTA DO UBA
(...) Era mal assombrada e pronto. A casa estava abandonada havia vários anos. Contavam os mais antigos, que sua última moradora,  uma senhora de idade, falecera ali desprezada pelos filhos e parentes. E iam mais longe: falavam que a velha  antes de morrer...



O CAMINHÃO DAS BALAS BELA VISTA
(O tal caminhão das Balas Bela Vista era, sim, um desafio pra quase todos os meninos corajosos. Eu não tava nesse time. Eu sempre fui muito cuidadoso com essas coisas de arriscar danos físicos. Não era do tipo que mergulhava de cabeça nos riachos nem andava de bicicleta a toda velocidade. Preferia a calma e a segurança.
Mas o meu irmão... esse era doido de pedra. Não podia ver um perigo que já queria correr...Deu sorte de não apanhar nesse dia.)



O POÇO
(Um dia, nossa mãe já cansada de subir as barrancas do Itajaí Açu carregando latas d'água, resolveu fazer um poço.
Associando-se aos nossos vizinhos alemães, saíram em busca de contratar um poceiro.  
O poceiro mais famoso do lugar, era um senhor conhecido como Pedro Mudo. Pedro Mudo, obviamente porque não falava, era mudo mesmo.)



OS TRENS DA VÓ
(Nossa avó tinha uns trens. E a gente estava doidinhos pra conhecê-los)


DEIXE AQUI O SEU COMENTÁRIO

(todos os campos abaixo são obrigatórios

Nome:
E-mail:
Profissão:
Cidade-UF:
Comentário:
Chave: -- Digite o número 6223 na caixa ao lado.

www.eniopadilha.com.br - website do engenheiro e professor Ênio Padilha - versão 7.00 [2020]

powered by OitoNoveTrês Produções

28/04/2024 12:07:32     6211751

29