CEGONHA OU AVIÃO?
(Carlos Alberto Padilha)

(Publicado em 08/04/2023)



Mais uma pras minhas Notas Autobiográficas

A chegada da Preta (minha quarta irmã) foi um momento de questionar algumas crenças de criança... eu tinha 6 anos... meu irmão Carlos, tinha 7





Imagem: Ênio Padilha com gratispng.com



Olá tio Ênio. Beijos para as moças.

Continuando a série "Memórias de nossa infância", recordo que eu tinha imensa curiosidade em saber quem, realmente  trazia os bebês. Se as  cegonhas ou os aviões.

Naqueles tempos da aurora da minha vida, (nos anos 60) as coisas não eram como hoje. Nossas crianças, agora aprendem na escola a origem do ser.

Quando aguardam a chagada de um novo irmãozinho, sabem exatamente porque a mãe está com a..."barriga grande".

Em nosso tempo, os adultos nos enganavam o quanto podiam. Diziam que  os bebês eram trazidos pela Cegonha. Aliás, a cegonha para nós se constituía numa  personalidade.  Afinal, de certa forma era responsável pelo aumento considerável de nossa família.

Para nos confundir ainda mais, alguns dos grandes, nos diziam que  eram os aviões que traziam os bebês. A exemplo da consideração com as cegonhas, os aviões também eram reverenciados e por vezes às reivindicações por um novo irmão eram feitas em altos brados, quando víamos algum avião passando nos ares de Rio do Sul

“Joga neném avião!” a criançada gritava com todas as forças.

A propósito disso, considerando às encomendas "por via aérea" que dona Mathilde recebia, nossa humilde casa deveria ser um verdadeiro paraíso ecológico muitíssimo apropriado às cegonhas, ou um aeroporto excelente para pousos e decolagens.

A verdade é que não sabíamos ao certo. De certo mesmo, era um irmãozinho a cada 2/3 anos, que, aliás, nos deixavam de cabelos em pé. Lembro, o dia  em 1965 que nasceu nossa irmã Eronilde (a Preta). Na hora do nascimento, (ela nasceu em casa) eu estava na escola. Quando cheguei o bebê já estava lá.

Tia Jura que havia vindo passar uns dias em nossa casa para cuidar da irmã, tomava conta das primeiras horas da chegada do bebê.  Evidentemente, com aqueles cuidados peculiares da época. "Silêncio!" Pedia a todos, " A mãe de vocês está doente. A Cegonha finalmente trouxe o bebê."

Intrigava-me o fato de nossa mãe estar doente por causa da “entrega” de uma irmãzinha. Ao meu ver, uma coisa não poderia ter a ver com a outra. "Se é a cegonha quem trouxe o bebê,  por que minha mãe ficou doente?" Mesmo que tivesse sido um avião, não haveria razão para estar de cama!

Em particular, eu já estava convencido de uma coisa: avião não era! Naquele dia (11/06/65) nenhum avião cruzou o céu de nossa cidade. Logo, nosso neném, não veio por nenhum avião.

Tal constatação me levou a perguntar à tia Jura:

"Tia Jura..."
"O que é" respondeu ela.
"A senhora viu a cegonha?"
"Vi!"
"E ela ainda tá ai?"
"Não, ela já foi." 
"Por onde ela foi?"
"Ah, foi pelo rio?"
"Ahm!"

Bem, se teria ido pelo rio, talvez ainda estivesse por perto. Corri até a barranca do Itajaí, para ver se encontrava pelo menos vestígios do tal pássaro entregador de crianças. Qual nada. Nem sombra!

Tudo bem! Não vi a tal ave. Porém, ainda  poderia tentar resolver a minha dúvida com meu irmão Didi. O Didi, naquele dia estava em casa  e quem sabe teria visto o bicho.

"Ô Didi... Tu viu a cegonha?"
"Não." Respondeu de pronto.
"Mas como não viu!  Tu tava em casa!"
"Eu tava em casa mas não vi!"  ele disse. "A tia Jura mandou a gente brincar na rua e eu não vi nenhuma cegonha."
"Tu tava na rua e não viu? E a tia Jura viu?"
"É! Mas eu não vi!" Completou.

Depois me disse confidencialmente, que pelos movimentos que percebeu, não havia cegonha alguma. Isto punha em cheque a credibilidade em tia Jura. Mas...

Então como seria? Se não há cegonha nem avião, quem trouxe o Bebê? Bem! Dúvidas à parte...

Nem eu, tampouco meu irmão Didi,  fomos mais adiante com o assunto. No entanto, sabíamos que algo nos era omitido. Já havíamos percebido que nossa vizinha, a Dona Nega, engordava todo ano, e lá vinha aquele "papo" que a cegonha lhe trouxera um bebê. Com dona Mathilde não era diferente. Portanto...

Depois de nossa irmã Eronilde, ganhamos outros dois irmãos, o tio Élcio e tia Nane.

O Élcio quase veio por via aérea. Calma! Eu explico: é que quando a D. Mathilde começou a "engordar", lá veio aquela conversa de cegonha e avião outra vez.

Mas aí eu já estava com 10 anos, e os adultos percebem quando não podem mais enganar uma criança. Assim, foi melhor não dar explicações a cerca do novo irmão que estava para chegar. No mais, era só esperar nascer, e nos apresentar o pimpolho para que tomássemos as providências. (aliás, o mano Élcio, foi "literalmente" apresentado ao mano Didi.)

Depois disso, já pelas vias normais, e terrestres, em dezembro de 1970, ganhamos de presente a tia Nane. Felizes pela irmãzinha, tivemos um natal diferente.

A tia Nina, já com nove anos, foi a irmã encarregada da recepção a mais nova integrante da prole do Seu Padilha e da dona Mathilde.

Com a Nane, estava completa a família. Lembro com muita saudade, do tempo que sentávamos todos à mesa com nove lugares. Penso, que se maior fosse nossa família, maior também seriam os "portos seguros" que temos.

Nestes portos, não encontramos abastanças,  tampouco o vil metal que destempera o homem. Mas a palavra amiga, a orientação para um caminho melhor, o aplauso para os nossos acertos, a compreensão para os nossos erros, a amizade fiel, e o amor incondicional para com os nossos, independentemente de estarem longe ou perto de nós, seja fisicamente ou por qualquer das circunstâncias inerentes aos sentimentos humanos.

O tempo passa e vamos perdendo nossos medos. Permita Deus, que o medo que mais percamos, seja o de expressar nosso amor,  especialmente pelos  membros de nossa família.

Um beijo a todos.





CARLOS ALBERTO PADILHA
07/MAR/2003





Leia também: COPAS DO MUNDO
Primeiro artigo da série, com as memórias das copas do mundo, até 2002



O VELHO REX
(...) todo cachorro quando está comendo ainda que seja velho e louco, não admite interferência. O cão me advertiu rosnando seriamente...



NOSSA PRIMEIRA COMUNHÃO
(...) compromisso é compromisso e o ensaio geral era muito importante. De modo que não havia jeito,  teria que ir assim mesmo. Até a Igreja foi tudo bem, afinal "moleques"  na rua andam de qualquer maneira. Mas na Igreja não!



O CASO DO BALANCINHO
(...) De súbito minha mãe me pediu silêncio e, num gesto como de espreita  dona Mathilde ergueu a cabeça concentrando-se para ouvir melhor algo que por certo lhe parecia estranho. E era!



O CAFEZINHO DO PAI
(...) Não havendo como conservar o café quente, o jeito era esquentar (requentar) cada vez que o quisesse. Assim, levava-se o bule com café ao fogo, esquentando-o com cuidado para que não fervesse



O CAFEZINHO DO PAI (2)
(...) Todos sabemos que não se deve usar os próprios dedos como termômetro (muito menos para saber se um café está quente ou não). Mas será que o nosso irmão Edson sabia?



O DIDI PESCADOR - DOMINGO É DIA DE PIQUENIQUE
(...) Sem muita demora, vi quando o Didi alçou o anzol da água, e preso nele um peixe desdobrava-se fisgado ao engodo. E logo em seguida, mais uns três ou quatro. Quanto a mim, continuava sapateiro



A VELHA CASA DA VOLTA DO UBA
(...) Era mal assombrada e pronto. A casa estava abandonada havia vários anos. Contavam os mais antigos, que sua última moradora,  uma senhora de idade, falecera ali desprezada pelos filhos e parentes. E iam mais longe: falavam que a velha  antes de morrer...



O CAMINHÃO DAS BALAS BELA VISTA
(O tal caminhão das Balas Bela Vista era, sim, um desafio pra quase todos os meninos corajosos. Eu não tava nesse time. Eu sempre fui muito cuidadoso com essas coisas de arriscar danos físicos. Não era do tipo que mergulhava de cabeça nos riachos nem andava de bicicleta a toda velocidade. Preferia a calma e a segurança.
Mas o meu irmão... esse era doido de pedra. Não podia ver um perigo que já queria correr...Deu sorte de não apanhar nesse dia.)



O POÇO
(Um dia, nossa mãe já cansada de subir as barrancas do Itajaí Açu carregando latas d'água, resolveu fazer um poço.
Associando-se aos nossos vizinhos alemães, saíram em busca de contratar um poceiro.  
O poceiro mais famoso do lugar, era um senhor conhecido como Pedro Mudo. Pedro Mudo, obviamente porque não falava, era mudo mesmo.)



OS TRENS DA VÓ
(Nossa avó tinha uns trens. E a gente estava doidinhos pra conhecê-los)



A FLORIANÓPOLIS DE 1969
(Nesta crônica Carlos conta como foi conhecer Florianópolis, aos 11 anos (ele) e 10 anos (eu) - A cidade tinha, certamente outra alma.)



O NOME DO DIDI
(Nesta crônica Carlos conta a surpresa que foi ficar sabendo que o nome do irmão mais novo era Ênio Padilha Filho e não Didi, como ele estava acostumado a chamar.)



ENTENDA LÁ COMO QUISER
(Nosso pai, o Ênio Padilha original, era cheio das frases de efeito...)



CEGONHA OU AVIÃO?
(A chegada da Preta (minha quarta irmã) foi um momento de questionar algumas crenças de criança... eu tinha 6 anos... meu irmão Carlos, tinha 7)


DEIXE AQUI O SEU COMENTÁRIO

(todos os campos abaixo são obrigatórios

Nome:
E-mail:
Profissão:
Cidade-UF:
Comentário:
Chave: -- Digite o número 8092 na caixa ao lado.

www.eniopadilha.com.br - website do engenheiro e professor Ênio Padilha - versão 7.00 [2020]

powered by OitoNoveTrês Produções

28/04/2024 06:49:48     6211730

20